ARTICULISTAS

A alma se nutre do bom gosto

Qualquer obra cultural – independente de sua natureza formal

Gilberto Caixeta
gilcaixeta@terra.com.br
Publicado em 10/01/2012 às 19:56Atualizado em 17/12/2022 às 07:46
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Qualquer obra cultural – independente de sua natureza formal – pertence ao seu autor, até ser publicada ou apresentada à sociedade. Depois disso, não mais. Ela passa a pertencer ao mundo e, se houver qualidade no que se produziu, deixa de pertencer ao autor. Qualquer obra cultural é maior que o seu autor. Neste fim de semana, fomos brindados com a sonoridade dos poemas de um amigo. Foi uma degustação poética em sua casa. Paulatinamente, ele lia os seus. Era o autor interpretando a sua obra para um grupo de ouvintes privilegiados. Devo confessar, por consideração à arte, que os seus poemas são densos. Os versos são cortantes, as figuras de linguagem nos envolvem como se estivessem à nossa frente. As rimas são inesperadas, assim como a construção do amor que aflora à boca da mulher desejada.

Estou longe de ser poeta ou escritor. Neste dia estava conosco o meu irmão Geovane e fomos catapultados ao passado. Lembrei-me da época em que ficávamos horas e horas batendo um texto para apresentação no teatro. Geovane foi ator, diretor da peça teatral “A morte é simples de madrugada”, de Frederico Garcia Lorca. Essa inspiração havia nascido de seu encontro com Escobar, quando ambos fizeram o roteiro da apresentação. Peça substanciosa e atual, mas nada disso ficou registrado, ficou apenas na lembrança de alguns. Como os poemas de meu amigo Chico Marcos, belos e inspiradores poemas, que sumiram ao vento. Um dia de faxina em sua casa, os seus poemas seguiram o rumo que não deveria: a lata de lixo. Assim como outras obras de arte, que desapareceram antes de ser concluídas e outras sumiram nos labirintos do tempo.

Nesse fim de semana lembrei-me desses casos. Então, dissemos ao nosso poeta que ele deveria publicar os seus, porque estavam maduros o suficiente para continuar unicamente dentro do autor. Foi quando meu irmão interveio, dizendo da importância de se gravar a interpretação que o autor faz de seus poemas. “Que o Zé Maria Madureira podia receber alguns poemas e interpretá-los, conquanto houvesse poemas lidos pelo autor”, disse-nos Geovane, lançando o desafio.

Nosso amigo-poeta ficou nos olhando e nos disse que os seus poemas ainda não estavam prontos, precisavam ser penteados... Até quando você irá nos privar de seus poemas, sem que possamos acessá-los pela internet ou adquiri-los em livros ou outros instrumentos tecnológicos? A obra não mais pertence ao autor, e sim àqueles que leem ou ouvem os poemas. Caro amigo Narcio, está passando da hora de você nos brindar com os seus poemas e deixá-los sair de você. Eles que são seus filhos já estão crescidos para seguir sozinhos no mundo e mostrar por que vieram. Emanciparam independentemente do seu querer. A alma se nutre do bom gosto e o artista é o  nutricionista, por isso as obras culturais não pertencem ao seu autor.

(*) Professor

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