Estimado leitor, no filme Terra Estrangeira, de Walter Salles e Daniela Thomas
Estimado leitor, no filme Terra Estrangeira, de Walter Salles e Daniela Thomas, um dos personagens, após perder a mãe, resolve fazer uma viagem de volta à sua terra natal, na tentativa de se encontrar com suas origens. Lá chegando, não encontra o que tanto deseja e se sente, portanto, estrangeiro em sua própria terra.
Situação semelhante viveram os presos políticos que, após o golpe civil-militar de abril de 1964 – o qual restringiu a liberdade de ação das organizações políticas de esquerda –, foram obrigados a entrar para a clandestinidade política.
As restrições impostas pelo golpe militar foram diminuindo os espaços de atuação política legal. Partidos políticos dissolvidos, organizações políticas declaradas ilegais, sindicatos, universidades, associações de classe e entidades estudantis proibidas e invadidas. Restaram à militância poucas alternativas: sair do País ou nele permanecer. É essa a dúvida que se apresentava a todos os que estavam implicados na luta política naquele momento.
A clandestinidade política foi a alternativa que muitos militantes de esquerda encontraram para continuar combatendo o regime militar, entre 1964 e 1979. Todas as organizações políticas tiveram militantes presos, torturados e assassinados. Muitos foram banidos, outros tantos, exilados. Um contingente significativo permaneceu dentro do Brasil e tornou-se clandestino.
Objetivava-se, em linhas gerais, com a clandestinidade, combater o regime militar, resistir em luta contra os avanços do regime opressor e denunciar as violências cometidas contra os militantes. O militante político que se viu obrigado a aderir à clandestinidade, provavelmente, estava capturado pelas condições sociais e políticas que imperavam no País. Nesta perspectiva, a escolha pela clandestinidade era uma questão de sobrevivência, decorrente da condição de militante perseguido e considerado inimigo pelas forças militares e policiais.
A clandestinidade é comumente narrada, tanto nos relatos orais quanto nos escritos, como uma experiência de solidão e vulnerabilidade ante o restante da sociedade e a própria organização a que se pertencia. Em função disso, os militantes eram obrigados a redefinir suas identidades, criando assim um microuniverso invisível e ambíguo.
A clandestinidade não representava uma ruptura completa com a sociedade, e sim caracterizava-se por criar um contexto de isolamento relativo. É por isso que exigia a adoção de novos nomes e, mais do que isso, de outras personalidades, com distintas características pessoais e profissionais, redes de relações sociais e estórias de vida. Todos os laços anteriores tinham de ser cortados e novas relações não poderiam ser assumidas, por representarem riscos individuais e para a organização. Desta feita, a clandestinidade consiste em uma situação em que duas condições antagônicas convivem simultaneamente: a visibilidade e a invisibilidade.
O poder de invisibilidade é o que garantia a sobrevivência; o poder da visibilidade é o que garantia contato com o mundo real. Dividido em dois, o clandestino político tinha a dura missão de não se tornar estranho para si mesmo.
(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM