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A escolha que condena

Estimado leitor, a clandestinidade política foi a alternativa que muitos militantes de esquerda encontraram para continuar no Brasil depois do golpe civil-militar de abril de 19

Mozart Lacerda Filho
Publicado em 29/11/2009 às 12:47Atualizado em 20/12/2022 às 09:20
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Estimado leitor, a clandestinidade política foi a alternativa que muitos militantes de esquerda encontraram para continuar no Brasil depois do golpe civil-militar de abril de 1964. Todas as organizações políticas foram colocadas na ilegalidade, muitos de seus militantes foram presos, outros tantos foram torturados, barbaramente assassinados e seus corpos estão, ainda, desaparecidos. Muitos foram banidos ou se exilaram.

Um significativo contingente de militantes permaneceu no Brasil e objetivou, de alguma maneira, combater os militares, impetrar uma resistência contra os avanços do governo autoritário, libertar os companheiros presos, quando possível, e denunciar as violências cometidas pelos órgãos de repressão do Estado. Entraram para a clandestinidade.

Nomes, rostos, documentos pessoais, familiares, empregos, amigos, lares, tudo foi deixado para trás. Num primeiro momento, os reais impactos dessa atitude não eram totalmente absorvidos, uma vez que pensar neles era arriscado e poderia colocar o militante em situação de perigo. Depois, com o tempo, vinha a necessidade de elaborar todos os lutos oriundos da passagem para a clandestinidade.

Esses militantes formaram a espinha dorsal de resistência aos órgãos de repressão do governo militar. Seus membros reuniam-se em torno das suas organizações, mas, de tão escassos que eram, podiam ser contados nos dedos de uma única mão. O amanhã era absolutamente hipotético. A certeza do futuro era uma tênue linha que, de tão frágil, era melhor não se agarrar. Na condição de clandestinos, não eram mais cidadãos brasileiros e foram, cada um a sua maneira, incorporando o anonimato.

O militante político que fez a escolha da clandestinidade estava capturado pelas condições sociais e políticas vigentes no País naquela hora. Ao contemplar um horizonte tão desfavorável, ele tinha que decidir entre ficar ou sair do Brasil. Ficando, a clandestinidade era a “opção” natural. Desse ponto de vista, a clandestinidade era uma questão de sobrevivência, ocasionada pela sua condição de militante perseguido e considerado inimigo pelas forças militares e policiais. Cair na clandestinidade, de início, era sair da cena legal. Era uma defesa da própria vida e da própria organização.

A opção pela vida clandestina envolveu uma escolha que não era livre, porque era uma escolha dentro de uma catástrofe política. Não há a necessidade de ser clandestino político num regime democrático. A clandestinidade é típica de um projeto democrático que se esfacela. Logo, não é uma escolha feita em condições de igualdade política. Ela acontece, justamente, em condições desfavoráveis e, por isso, não é uma livre escolha. É uma escolha determinada pela condição de excepcionalidade do momento vivido.

Se o Existencialismo, em meados dos anos 50, afirmava que a escolha é o elemento que garante a liberdade do homem, digo que, quando o assunto é a clandestinidade política, a condenação, isto é, a ausência de liberdade, é o único legado da escolha de muitos desses militantes.

(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM

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