Brasileiro acredita que sabe imitar o sotaque português. E, sendo justa, sendo uns mais talentosos que outros, até certo ponto alguns têm moderado sucesso. Mas chegando aqui a Portugal, constatamos que o português europeu que se pratica no Brasil, geralmente em piadas, deve muito à pátria mãe da nossa língua.
Aqueles com bom ouvido e jeito para sotaques até conseguem imitar os trejeitos mais familiares que “comem” as vogais, enquanto afloram todas as consoantes possíveis, inclusive aqueles “éles” no fim das palavras. Porém, há lados menos conhecidos da sonoridade lusitana que são até meio estranhos.
Como quando ouvi que “a água da pichina está echelente” - quando a temperatura da água da piscina estava agradável, ou excelente. Ou quando consistentemente se referem à marca do meu carro como um Ônda. Ocorre que, em Portugal, não se pronuncia o “H” no início de palavras em inglês. Claro, eu tenho um Honda, que, no Brasil, se pronuncia “Ronda”.
Quando tenho vontade de comer pizza, não devo pedir pítza, como no Brasil, mas, sim, piza. E foi assim que, um dia, pedi indicações por telefone e uma senhora muito educada me disse: “É em cima da pizâte.” “Como?” “É em cima da pizâte, não há como não ver.” Não insisti mais; a certeza dela era tanta, que eu nem tinha por onde começar a explicar minha ignorância. Só liguei os pontos quando, por outros meios, encontrei o lugar e vi que, de fato, era em cima de uma Pizza Hut - a pizâte!
Além disso, há aqueles casos em que uma palavra quer dizer uma coisa no Brasil; outra, em Portugal, não a mesma coisa, porém não tão longe. Como quando li “Marley e eu”, categoria de “livro fofo” que a gente lê pra rir e chorar, sobre um labrador adotado por um casal e que, segundo o próprio dono, era “o pior cão do mundo” - era desajeitado e indisciplinado, mas brincalhão, carinhoso, generoso e um grande companheiro. Um dia, Marley estava fazendo algo, porque, assim, “ele se lembrava de quando era um cachorro”. O quê? Como assim? Ele não é mais um cachorro? O que ele virou? Meu Deus, perdi o enredo deste livro completamente!
Claro, o Marley não era mais um cachorro, porque ele tinha crescido. Um cachorro é um filhote. Sendo já adulto, Marley era um cão. E, um cachorro, depois que se torna adulto, é sempre cão, mesmo que seja de pequeno porte - daí é um cãozinho. Até gostei do livro, e do filme também. Mas minha memória mais perene do “Marley e eu” nunca aconteceu no livro; só no reino imaginário da minha confusão.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova é engenheira civil, cinéfila, ailurófila, faz caminhada nórdica à beira-mar e vive perto de Lisboa.