Era um menino uberabense, rapazinho muito normal. Criado a pão de queijo, como sói acontecer nas famílias mineiras. Ia à escola, onde se saía bem. Na verdade, mais que bem, saía-se melhor que a média, sendo, mesmo, bastante talentoso em algumas matérias. Como qualquer pessoa, tinha preferências e talentos, destacando-se em algumas áreas. Por isso, muito surpresa ficou a professora quando, um dia, ele não soube responder à pergunta: “Que animal é esse?”. A foto mostrava, claramente, uma vaca. E o menino respondeu: “Não sei.” Oi?
De notar que a pergunta vinha numa sequência, depois de o garoto ter, corretamente, identificado animais menos familiares, como girafa, leão, elefante e até um ornitorrinco! Que ele conhecia por ser, de fato, muito interessado em animais em geral. Mas a vaca... Aparentemente, a vaca ele não conhecia.
A professora, imediatamente, lembrou-se do treinamento que tivera e começou a buscar na memória que distúrbio ou deficiência de aprendizagem aquilo poderia ser, já que, obviamente, o menino sabia, tinha que saber, o que era uma vaca. Mas ele não parecia perturbado, confuso ou alterado. Tão-pouco debochado ou pouco respeitoso. Não estava criando confusão, nem fazendo cenas. Apenas, sinceramente, declarava sua ignorância.
Tão límpida era a expressão do menino, tão confiante ele encarava a professora, dando-lhe sua atenção e tentando fazer o seu melhor, que ela se animou a encorajá-lo.
- Não sabe? De jeito nenhum?
- Não, não sei mesmo.
Poderia ser grave. “Há qualquer coisa aqui”, pensou ela.
- Mas não tem nem ideia? - insistiu.
- Bem.... uma ideia eu tenho, mas não tenho certeza.
Um pequeno alívio. Quem sabe não terminarei esta aula encaminhando um aluno meu a um neurologista, pensou a mestra, já sentindo esse pequeno consolo como uma vitória.
- Então, que animal é esse?
Ainda hesitante, ele arriscou:
- Acho que é um cruzamento de gir com nelore, mas não tenho certeza.
Ah, ok. Entendida a confusão.
Já dizia Bertrand Russel que “o problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e as pessoas idiotas estão cheias de certezas”. Principalmente, desde que cada ser humano com acesso à internet ganhou uma audiência global, muito se confunde consenso com verdade absoluta. Some-se a isso o modelo de negócio de plataformas populares, em que colocam cada usuário para interagir apenas com semelhantes e pronto. Cada grupo na sua bolha, validando-se à base de concordância.
Todos olham para a vaca e dizem “vaca”, sentem-se felizes e voltam às suas outras certezas, até que a necessidade de reforço volta, e retornam ao grupo para, uma vez mais, admirar a vaca e maravilhar-se com a própria sabedoria. Enquanto isso, quem vê além da casca recolhe-se solitariamente na sua reflexão, clamando por almas igualmente cheias de dúvidas para trocas sinceras.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica