Colecionar é muito bom. Ser colecionador é ter a paciência
Colecionar é muito bom. Ser colecionador é ter a paciência de ir através do objeto que se coleciona, é ajuntar peças que compõem o imaginário, é irrigar a alegria com aqueles objetos que fascinam. Evódio sempre gostou de colecionar. Entre os seus amigos havia um que colecionava plásticos e adesivos. Gostava mais dos plásticos, aqueles que ficam pregados nos vidros dos carros. Ele passava horas e horas em volta de um carro com plástico, esperando o dono chegar para lhe pedir aquele mostruário, caso ele não o tivesse. Trocava plástico com os amigos. Na janela de seu quarto havia os mais belos exemplares, até que um dia tacaram uma pedra na vidraça e levaram vários de seus exemplares. Nada o consolou, perdeu os mais vistosos na sua concepção estética. Havia outro, mais intelectualizado, que colecionava selos de cartas. Com pinça e lupa folheava o álbum com os olhos de quem observa a beleza do inusitado. Estudava-os, sabia da história daquele selo e dos mais diversos e antigos. Das procedências. Outro guardava pedrinhas; outros, tampinhas de guaraná, lápis... O que havia de comum entre eles é que todos colecionavam figurinhas. Era uma guerra montar um álbum de figurinhas. Havia estratégias as mais diferentes, além de comprar os pacotinhos na banca de revista, a meninada se encontrava para o “troca-troca” de figurinhas. Sempre aparecia um espertalhão fazendo bafão; batia nas mãos dos meninos e as figurinhas que caíam eram pegas. O melhor, então, era guardá-las no bolso do short ou da bermuda, caso houvesse alguém estranho entre eles. Havia o jogo de “bafa”, brincadeira que consistia em virar a figurinha batendo sobre ela. Quem a virasse a levava consigo. Então, punham-se as repetidas, de olho naquelas que não tinha no álbum. Essa era uma das várias estratégias para se completar um álbum de figurinhas. Passando pelo Mercado Municipal, Evódio viu aquele formigueiro humano, jovens e velhos; crianças e adolescentes em volta de uma banca de revista, trocando figurinhas. Parou. Por incrível que pareça, ele ’tá formando um álbum da Seleção e tem várias figurinhas a serem trocadas, mas ali só encontrou quem quisesse vendê-las. Aos poucos, aparecia um ou outro com a lista de figurinhas faltantes e com figurinhas para ser trocadas. O hábito de colecionar continua sendo o mesmo, o que mudou é como se adquire e coleciona. Outra coisa que o deixa pensativo e lamentoso é que as figurinhas da Seleção Brasileira não retratam a verdade. Há jogadores escalados para o álbum que não compõem a seleção e outros, convocados, que não estão no álbum de figurinha. Como “Copa das Copas” é recheada de mentiras e empulhações, o álbum não poderia ser diferente. Mas quem tiver figurinha pra trocar, o Evódio tem um punhado e às vezes ele fica ali na esquina do Mercado, aos domingos.