ARTICULISTAS

Almoço vingado

Como não se trata de tamanho de peixe nas historias

Manoel Therezo
Publicado em 25/08/2012 às 19:40Atualizado em 19/12/2022 às 17:45
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Como não se trata de tamanho de peixe nas historias dos pescadores, vou lhe contar três passagens. Duas foram brincadeiras pesadas. Certa ocasião, um gravador necessitava de um conserto. Assim que cheguei ao local sugerido, uma criatura sorridente com os seus cem quilos me atendeu. Após algumas trocas de palavras sobre o aparelho, a conversa se estendeu para pescarias. Era ele, o senhor José Conceição Prata Amaral, ou Amaral como todos o chamavam. Ficamos amigos. Dias depois, um velho amigo seu, apareceu. Fomos apresentados. Dizia que se recordava de mim no trote quando ingressei na Faculdade de Odonto. Era o Richarde (com e) de Almeida. Também, era mais um amigo e nós três, fizemos grandes pescarias no rio Grande, ocasiões que me fizeram perceber que as brincadeiras do Amaral eram pesadas, repetindo. Nunca eu lhe disse nada, mas eram. De quando em vez, o senhor Roberto, gerente de um posto de combustíveis ia conosco. Em uma dessas, durante a viagem, pediu que lhe deixasse lá nas pedras. Foi deixado onde pediu. Era costume encomendar ao senhor José Faustino, morador às margens do rio, os almoços. Chegava-se perto de sua casa e sem sair da canoa, gritava quantos almoços se pretendia. Naquele dia, o Amaral gritou encomendando dois almoços. Lembrei-lhe que estava se esquecendo do Roberto. De imediato respondeu-me que o Roberto não iria almoçar naquele dia. Fiquei pensando, pois não me lembrava de tê-lo visto levando comida. Dalí, partimos para o nosso lugar de costume. Tempo depois, o senhor José nos gritava. O almoço estava pronto. Creio que o senhor Roberto também ouviu o grito do Zé Faustino e esperou pelo seu. Depois daquele falso “Grude”, voltamos para o mesmo lugar. Lá pelas cinco horas da tarde, rumamos para as pedras e apanhar o senhor Roberto. Fiquei na expectativa do que podia acontecer. Incrível... O senhor Roberto não tocou no assunto, como se tivesse almoçado como um rei. Também, o Amaral com o chapéu abaixado para não ser visto rindo baixinho, fingia estar procurando alguma coisa na canoa. Na viagem de retorno, não se falou no assunto. Que coisa, fiquei matutando! Uma semana depois, Amaral e eu, voltamos ao rio. Aquele mesmo ritual. Quando já bem tarde, um temporal prometia encher o mundo de água. Zarpamos para a camionete. Grossos pingos já caiam. Logo o temporal desabou sobre nós. A escuridão se fez repentinamente. Já bem molhados e tremendo de frio, passamos tudo para a camionete e entramos. Que alívio... Quando o Amaral percebeu, exclamou dizendo que estávamos perdidos. O senhor Roberto havia ido lá enquanto pescávamos, tirou da camionete, o volante da direção. Ficou só a coluna.  O que fazer? Largar a camionete e pregar os pés na estrada. Foi o que fizemos. Pela madrugada, molhados de torcer, estávamos chegando. O dia clareava. Assim que chegarmos, o senhor Roberto entregava ao Amaral, o bendito volante da direção. Estava vingado o almoço. O Amaral ria de agachar. Fazia as dele, mas recebia também sem nada reclamar. Suas brincadeiras não invalidavam a alegria de sua amizade. Um dia, uma grande tristeza o derrotou. Faleceu. Que Deus o tenha... Foi um amigo que merece a nossa prece e a nossa saudade.

(*) Odontólogo; ex-professor universitário

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