O alvará de Dom João VI, expedido a 2 de março de 1820, no Rio de Janeiro – sede do Reino Unido de Portugal e Algarves -, através do Tribunal da Mesa de Consciência e Ordens
O alvará de Dom João VI, expedido a 2 de março de 1820, no Rio de Janeiro – sede do Reino Unido de Portugal e Algarves -, através do Tribunal da Mesa de Consciência e Ordens, - uma repartição pública -, criava a Freguesia de Santo Antonio e São Sebastião de Uberaba, desanexada da Matriz de Nossa Senhora do Desterro do Desemboque. Uberaba, portanto, passa a se chamar Arraial de Santo Antonio e São Sebastião do Uberaba, é isso que comemoramos no mês de março. De lá pra cá, esse Arraial tornou-se Vila - uma célula municipal administrada por uma Câmara Municipal. Depois, mais tarde, recebe o título honorífico de cidade. No entanto, antes de ser Arraial, há histórias de lutas, de expulsão de índios, de resistências sociais, de concentração da propriedade, de escravidão, de homens livres, de mulheres destemidas e submissas. Não que não houvesse essas constantes históricas depois de 1820. Há sim. Mas há uma história que não se restringiu aos marcos regulatórios administrativo e religioso.
A sociedade contemporânea é resultado de uma somatória de lutas individuais e coletivas, que através de seus hábitos e costumes delineiam um perfil cultural, porém, resguardam-se as especificidades que marcam as lutas sociais. A dinâmica social nem sempre está posta nos documentos. Por isso, eles não podem ser vistos como um monumento servindo à descrição ou como marco definidor de seus eventos primordiais. Os documentos servem à análise de onde se retira as várias faces que constituem a história de uma comunidade, de uma etnia, de uma moral superada por postura ética. Dentre esses elementos distantes dos documentos históricos, mas próximos aos relatos, temos a tradição, a memória social que marca as nossas lembranças, mesmo que não tenhamos conversado com eles ou estendido a nossa existência até eles. Posso dizer, assim, de Maria Boneca, de Nestor, de Dora Doida, de Fumanchu... Cada qual com as suas verdades sem que possamos afirmar que sejam mentirosas, porque não as queremos. O muro invisível das cidades que nos aprisionam, não nos permite vê-los em lógica libertária porque os nossos sonhos são marcados por uma disciplina outra, que às vezes nem é, mas que serve a clausura e ao banimento social. Quem não conhece o Silvinho e a sua balde; o Cabeção e a sua carrocinha... Falar de história numa mesmice de datas e fatos é desviar o conhecimento para outros horizontes.
De 190 anos de Freguesia há muita história social. Se buscássemos nos censos de 1833 e 1835 veríamos que no Distrito de Santo Antonio e São Sebastião de Uberaba não tínhamos menos de 7.543 almas incorporadas em corpos pardos, brancos e negros nas condições de homens livres e escravos. Buscar na leitura desses documentos o “frescor de suas lembranças”, assim como buscamos em álbum de fotografia a lembrança saudosa do que se viveu ou a dor que não se evitou, é despertar-se para o quotidiano histórico que não quer ser banido, mesmo que insistam.
(*) professor gilcaixeta@terra.com.br