O Governo Federal tem divulgado que, somente em 2023, 523 vítimas de trabalho análogo à escravidão foram resgatadas em regiões diversas do país, tendo tido imensa repercussão o resgate de 270 trabalhadores que se ativavam na cadeia da produção vinícola na Região de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, região considerada como uma das mais desenvolvidas do país.
O MPT (Ministério Público do Trabalho) noticia em seu site institucional haver participado, no exercício de 2022, do resgate de outros 2.575 trabalhadores.
O crime de redução à condição análoga à de escravo está previsto no Art 149 do Código Penal e prevê reclusão de 2 a 8 anos àquele que reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
O crime, em meu sentir, é hediondo. Talvez seja a pior forma de exploração humana, pois aproveita da vulnerabilidade socioeconômica do trabalhador com o fito exclusivo de aumentar lucro e diminuir custos.
Mas, embora estejamos presenciando um aumento considerável de resgates (e consequentemente de ações positivas contra essa prática odiosa), não nos parece que as punições têm sido aplicadas de forma a desestimular a prática.
De um modo geral, o Judiciário Civil e o Trabalhista têm aplicado aos infratores condenações relevantes, na casa dos milhões de reais, a título de danos morais coletivos (danos impostos à sociedade em geral), além do pagamento de valores devidos aos trabalhadores individualmente à previdência social e ao FGTS, decorrente do reconhecimento e da rescisão de um contrato de emprego formal.
Mas na esfera penal a realidade não é essa, como noticia a Professora Mariana Armond Dias Paes em estudo sobre o tema publicado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito do Trabalho da UFMG.
A professora relata que, em consulta jurisprudencial em todos os Tribunais Regionais Federais (TRFs) do país, entre 30.11.2006 e 18.06.2015, localizou 107 Apelações Criminais, sendo que, destas, em 50 houve a condenação a pelo menos um dos réus e nos demais 57 casos houve a absolvição de todos os envolvidos.
Para se ter uma noção do abismo entre o crime e a punição penal, somente nos estados sob a jurisdição do TRF1 (que incluía Minas Gerais, atual TRF6) entre 2008 e 2013, 11.969 trabalhadores foram resgatados da condição análoga à escravidão.
Deixar de consumir os produtos produzidos com mão de obra escrava é o mínimo que devemos fazer. Há que se exigir maior fiscalização, punição penal e pecuniária célere, relevante e capaz de desestimular a prática.
Alexandre Rodrigues de Oliveira Signorelli
Advogado; presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB Uberaba/MG - 14ª Subseção
alexandre@oliveirasignorelli.adv.br