Começa o julgamento. O acusado tem a seu favor um álibi, testemunhas, provas materiais de que não pode ter sido o perpetrador. Mas a acusação o tem em vídeo, ao vivo e em cores, cometendo o crime. Bem-vindos ao futuro.
Já em 1984, o filme “O Exterminador do Futuro” (Terminator) projetava um mundo em que a tecnologia faria coisas impensáveis. Respondendo à incredulidade da heroína, o herói enviado para resgatá-la concorda que, de fato, tal avanço não existe, mas emenda: “Não por quarenta anos”. Pois chegou a hora.
Estamos em 2024 e ainda não é possível enviar seres humanos e humanóides para viajar no tempo, mas, ei!, é fevereiro. O que se vê é, a cada semana, versões cada vez melhores de softwares de geração de imagens via inteligência artificial. É de cair o queixo.
Há não muito tempo os resultados eram bastante toscos; não convenciam ninguém. Se causavam alguma coisa, só podia ser pesadelo com o Will Smith comendo macarrão. Uma coisa horrenda, mesmo.
Agora, com a chegada da Sora, da OpenAI, meia dúzia de linhas, com uma descrição precisa, bastam para gerar vídeos hiper-realistas sobre absolutamente qualquer tema. E as pessoas não têm decepcionado no quesito imaginação.
Para que precisamos de imagens de um pato amarelo gigante andando pelas ruas de Boston? Ou de uma borboleta com capacidades aquáticas, que consegue voar para dentro d’água, na maior naturalidade? Ou de um cão ciborgue? Deve ser o cachorro do Exterminador; só pode. Até o fim do ano, capaz de o dono ainda aparecer. Começou!
Como fica o réu do primeiro parágrafo que, efetivamente, não cometeu o crime de que é acusado, mas foi “apanhado” num vídeo incontestável? Claro que, como a tecnologia capaz de falsificar imagens existe, alguma chancela deverá haver que comprove a autenticidade daquelas que sejam reais.
Porque o inverso também é possível. Um assassino apanhado no ato apenas alega que o vídeo é falso. Ou o cônjuge infiel, o funcionário corrupto, o filho que faltou à aula. Nada mais será crível, sem um selo de realidade.
E depois? Quem será o notário que vai “carimbar” as imagens? Problemas, problemas. Pelo menos ainda não estamos preocupados com alguém bagunçando a linha do tempo. Até quando? Apertem os cintos.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
AnaMariaLSVilanova@gmail.com