É até difícil de acreditar, mas, em outras eras, havia uma categoria especial de vizinho: aquele que vinha só ver a novela, o televizinho. Não é brincadeira. Havia poucos aparelhos de TV, às vezes só um na rua toda. Não que fosse necessário muito mais, tampouco havia muito o que ver. Um canal, depois dois, e foi assim por muito tempo.
Mas, chegada a hora, o vizinho aparecia, saudava o dono da casa educadamente e, da mesma forma polida, era convidado a entrar. Disponibilizava-se um lugar na poltrona e todos acompanhavam o capítulo do dia, da única novela que havia. Acabavam juntos o capítulo e a visita e, sem mais circunstância, ia-se embora o vizinho, para voltar no dia seguinte. Tudo civilizadíssimo.
Se calhar, convinha recuperar algo desse tempo, já que outro tipo de interação vai ficando mais comum, começando em paragens mais avançadas tecnologicamente.
É isto: estão ficando cada vez mais comuns os carros elétricos. Sua tecnologia segue avançando, mas, evidentemente, os veículos têm que ser carregados de tempos em tempos, daí as estações de recarga. E há as públicas e as particulares.
Ocorre que proprietários responsáveis, que, diligentemente, instalam uma estação de recarga na sua garagem, têm encontrado motoristas completamente estranhos que, sem constrangimento nem educação, simplesmente entram garagem adentro, conectam seus automóveis nos interruptores alheios e se deixam ficar por ali, usufruindo da instalação que não lhe pertence.
Seria de supor que alguém apanhado nessa situação se desculpasse, pedisse, ou se afastasse, mas não. Câmeras onipresentes captam a discussão que, inevitavelmente, começa, e fica o registro para o mundo.
Já em vários casos, vê-se que consideram o acesso irrestrito a qualquer tomada um direito universal. “Querem o quê, que meu carro pare? É só uma tomada”, estão ali e vão continuar enquanto precisarem, estão “sem carga, não seja difícil”, e ainda soltam um “não custa nada”. Oi? Custa, sim, cara pálida!
Evidentemente, quanto mais for possível partilhar pontos de recarga, melhor. O que não escusa a necessidade de manter o acordo social que os televizinhos observavam. Pedir com educação, conceder com gentileza, partir em bons termos.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova