O entregador deixou o pacote à porta do destinatário. Ia saindo, mas parou quando escutou algo e voltou-se, tentando entender o que se dizia. Por fim, reportou à sua empresa ter ouvido um comentário não permitido, no caso, pareceu-lhe racista.
A empresa é grande e, além de entregar encomendas para lá e para cá, também vende uma montoeira de equipamentos e dispositivos eletrônicos que fazem, de qualquer casa, uma “casa inteligente”.
Lançando um grande “ah, é?”, a empresa desativou a subscrição do suposto “ista”, na prática, trancando-o fora de casa, já que a fechadura da porta de entrada não funcionava mais.
Mais tarde, quando tudo se esclareceu, ficou evidente que não tinha havido nada. Nenhum comentário – nem racista nem nada. Foi só um mal-entendido, mas bastou para mostrar o que o futuro reserva.
Se as pessoas certas gostarem, ou não, de uma ideia sua, pode ser a diferença entre o céu e o inferno. Pode-se perder, mesmo, acesso aos próprios bens! No caso em questão, ocorrido na Inglaterra, o gatilho foi um suposto preconceito em particular. Mas o que acontece se a coisa se expandir?
Digamos que o agradecido destinatário mande um fraternal “Deus o abençoe” e o entregador se ofenda. Que Deus? Minha divindade é outra, isso é preconceito, você está discriminando minha fé. “Teje” bloqueado!
Além de não entrar em casa, suas luzes não vão acender, seus livros e músicas vão desaparecer, suas telas vão escurecer, até você se desculpar e passar por uma reeducação para aprender a não abençoar mais ninguém.
Nada contra modernidades – ajudam muito. Antigamente, quando um aluno perguntava à professora o significado de uma palavra, ela o mandava procurar no “pai dos burros”, codinome para dicionário. Faz sentido. Se, no início, o aluno é burro, a busca pelo significado é que o torna inteligente.
Agora, as respostas vêm prontinhas e a fonte de todas elas é a mesma que entrega as encomendas e controla a casa toda. Está faltando equilíbrio. Algures, pelo meio do caminho, estará o ponto em que se aproveita o benefício da nova tecnologia, sem abrir mão da própria liberdade.
Entre o usuário e a casa, melhor uma casa burra.