No princípio dos anos 2000, numa escola de arte em São Paulo, os alunos recebem uma tarefa. O objetivo era demonstrar o poder do meio audiovisual. Câmeras na mão, lá foram eles; decidiram entrevistar os próprios colegas.
Chegou a hora da apresentação, auditório lotado, rolou o vídeo com o material cuidadosamente editado. Na tela, vários alunos aparecem, um após o outro, explicando por que admiram alguma personalidade televisiva. A pergunta que respondiam, em cores e movimento, era: “por que você o(a) admira?”, porém, detalhe importante, sem mencionar o nome do admirado(a).
Quanto ao motivo da admiração, algumas vezes, era por razões técnicas (voz, dicção, postura); outras, era por razões éticas (correto, sincero, honesto) ou emocionais (simpático). Depois vinha algo inesperado. Logo a seguir, a cada descrição favorável, aparecia um trecho de conteúdo bastante questionável, daqueles absurdos, televisão catástrofe, sensacionalista, nas raias do engano. Ficava parecendo que a pessoa compartilhava daquele ethos, admirava o malfeito. Ouviam-se risos nervosos e um ocasional comentário indignado, à medida que a fila se sucedia.
Por fim, o pesadelo terminou, a tela ficou preta por vários segundos. Silêncio na plateia. Abre-se a imagem novamente, agora para ver as entrevistas completas, em ordem, sem cortes, sem truques. Não há dúvida de quem são as pessoas admiradas, nada a ver com o festival de horrores anterior. Fim do vídeo, alívio geral. Está demonstrado o poder do audiovisual, missão cumprida.
Era só um trabalho da escola e já aconteceu há muitos anos, certo? Pois acaba de acontecer de novo, e não foi brincadeira. Foi numa das mais reconhecidas redes de mídia do mundo, a BBC de Londres. Num documentário sobre eleições nos Estados Unidos, o discurso do então presidente foi editado, atribuindo-se-lhe sentido claramente diferente e comprometedor.
O escândalo já provocou várias demissões, e parece que foi só o início, já começam a aparecer denúncias da mesma prática em várias outras ocasiões. A aura de tradição e respeito da rede foi uma capa adicional no engodo.
Se antes apenas uns poucos tinham acesso a fontes de informação, atualmente, os meios disponíveis possibilitam a qualquer um procurar os fatos. Ainda estamos aprendendo a lidar com tudo isso, mas essa recente exposição lembra a necessidade de estarmos sempre alertas.