Acordar bem cedo, vestir-se a rigor, maquiagem, cabelo, sapato de salto, vestido longo, tudo de acordo. O horário parece meio incongruente, mas está certo; é hora de ir para a ópera!
Chegando ao teatro, uma fila enorme, todos igualmente paramentados para o evento formal, debaixo do sol que começa a esquentar a sério. Ninguém tem bilhete, ninguém pagou entrada para o lindíssimo teatro São Carlos, mas todos são conduzidos ao interior, em grupos mais ou menos uniformes de acordo com o estilo individual.
Já dentro do teatro, é tempo de espera, muita espera. Quem ficou num camarote consegue ter uma visão mais abrangente e percebe a equipe de som, com um microfone enorme, discretamente gravando a audiência. Nada de especial, apenas capturando o som ambiente, o que se espera ouvir enquanto o povo, distraído, aguarda o início do evento.
Parece que todos estamos ali para ver um espetáculo, mas o objetivo primário, a razão por que nos convidaram foi, na verdade, para estar num filme. Um diretor alemão fazendo uma película de arte, baseada em óperas de Mozart, aproveita o cenário espetacular em Lisboa, e os portugueses comparecem alegremente com a figuração.
E assim passa-se o dia. Ouvindo a orquestra e obedecendo às ordens do diretor para aplaudir, fazer silêncio, mudar de lugar, aplaudir novamente, de novo, mais uma vez, e repetir, ainda outra vez.
Assim é o glamouroso mundo do cinema. Há muita técnica envolvida, por categorias profissionais que não se veem, mas, sem eles, o filme não acontece. É o pessoal de fotografia, iluminação, som, e mais uns quantos anônimos. E há muita, muita espera e, quase mais ainda, repetição.
Mesmo atores profissionais têm que repetir muitas vezes a mesma cena, de modo a permitir sua captura de diferentes ângulos. E também têm que esperar toda a preparação e ajustes necessários entre um take e outro.
A compensação pelo trabalho de extra num filme é, materialmente, irrisória. Mas a satisfação de participar no mundo das artes, colaborar na magia do cinema, ainda que anonimamente, e sair com uma história para contar, é pagamento mais que devido.