Em 1995, a língua portuguesa foi agraciada com a tradução do monumental livro “O Caso Dreyfus”, de Jean-Denis Bredin (Editora Scritta). É um tijolaço, que se consome sem perceber, seja pelo talento do escritor, seja pelo apelo do caso real.
Alfred Dreyfus era um oficial do Exército francês em uma época em que a desmoralização das tropas era grande. A França tinha perdido a guerra franco-prussiana, incluindo territórios, que se foram. Certamente, foram muitos os fatores que levaram a esse resultado, mas, fraqueza humana, encontrar um bode expiatório, que explicasse a derrota humilhante, era demasiado tentador.
Havia, de fato, um traidor, cuja grafia se conhecia e, inicialmente, foi ligada ao capitão de artilharia Dreyfus. Porém, essa conexão sempre foi frágil e, com efeito, logo comprovou-se inequivocamente que não poderia ser dele. Em vez de justiça, vieram acobertamentos e forjas, agora sem mais nenhum resquício de engano ou boa-fé.
Dreyfus passou por uma cerimônia pública de degradação, em que suas insígnias foram arrancadas; sua espada, quebrada, e ele foi obrigado a desfilar lentamente diante dos companheiros, ouvindo insultos, reclamando inocência.
Depois veio o exílio na Ilha do Diabo, quase uma sentença de morte. Na França, o tenente-coronel Georges Picquart descobre a identidade do verdadeiro culpado, outro oficial, viciado em jogos e endividado. Mas quem sofre com a descoberta é o próprio Picquart, rebaixado e transferido.
Custou algum tempo e muita mobilização para que a máquina começasse a se mover em direção a um resultado justo. Ficou famoso o manifesto publicado pelo escritor Émile Zola, J’Accuse! (Eu Acuso), em que ele nomeia cada participante na farsa, dos diretamente envolvidos, até os pusilânimes que permitiram, ou estimularam, por omissão, a trama infame.
No fim, a condenação de Dreydus foi anulada e ele ainda lutou pelo seu país, servindo nas Forças Armadas que tão mal o trataram. A maioria dos conspiradores pouco ou nada sofreu, além da vergonha pública.
Embora haja muitíssimos recontos do caso Dreyfus, inclusive o mais recente, “O Oficial e o Espião”, do excelente Robert Harris, convertido em filme, a leitura atenta da versão de Bredin oferece aprendizagem única, sempre relevante nos dias correntes.