Meios e Fins

No excelente filme “De Volta Para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985), o viajante Marty McFly volta 30 anos no tempo. Em pânico, ele procura o cientista que o enviou na empreitada, seu amigo Dr. Emmett Brown, o “Doc”, para pedir-lhe ajuda. Obviamente, Doc não conhece aquele estranho jovem, com uma história mais estranha ainda e, para desmascará-lo, faz-lhe uma pergunta inesperada, inquirindo quem é o presidente dos Estados Unidos no futuro. Resposta: Ronald Reagan.

Incapaz de acreditar que um ator de filmes B poderia chegar à posição mais ambicionada do mundo, Doc bate a porta na cara do angustiado McFly. Mais tarde, já convencido, Doc analisa a câmera de vídeo que McFly trouxe de 1985 e fica muito admirado ao saber que é um item bastante comum nas casas americanas. Conclui, então, que faz sentido o presidente ser um ator, capaz de apresentar-se bem, numa era em que a imagem conseguiu tal capilaridade na vida cotidiana.

Agora estamos em 2025 e a Argentina acaba de dar mais um voto de confiança ao aparentemente amalucado presidente Javier Milei. Cabelo cuidadosamente rebelde, discurso direto e impiedoso com ideias ultrapassadas, Milei comemorou a vitória do seu partido nas eleições legislativas cantando energeticamente em um show de rock, junto a seus apoiadores.

É verdade que, nos anos 90, Bill Clinton tocava saxofone em eventos do seu partido, mas nada se compara à visão do homem que dirige o país sul-americano, de microfone na mão, fazendo a multidão pular.

Isso quer dizer que o povo foi capaz de ver além da imagem excêntrica do seu líder. O povo também compreendeu que, ainda que o país tenha melhorado seus índices gerais, a vida segue muito difícil, mas não há escapatória. Décadas de ingerência não podem ser resolvidas rapidamente nem de forma fácil. Vai ser duro, mas não há outro caminho.

A era de dominância das TVs e câmeras de vídeo de Marty McFly, com seus telejornais formatados, dificilmente permitiria isso. Foi o contato longo, profundo e continuado com as propostas de Milei, cortesia da internet, que permitiu ao povo argentino entender a profundidade e complexidade da situação toda. Parabéns ao povo argentino e vida longa à livre circulação de ideias.