Era uma vez um rei, muito poderoso. Chamava-se Herodes, o Grande, e reinou a Judeia numa época de grandes tensões, nada a ver com os dias atuais.
Todo aquele território, bem como grande parte do mundo conhecido à época, estava sob domínio do poderoso império romano, que era, compreensivelmente, bastante detestado por ali. Além disso, havia um frisson no ar, tendo chegado o tempo em que se esperava o Messias.
Herodes estava no poder como representante das forças invasoras, o que, convenhamos, não ajudou a granjear nenhuma simpatia. E, para completar o quadro, era mau como tudo.
Diz-se que Júlio César manifestou preferir ser um cachorro do Herodes a ser um filho dele, e com razão. Que se saiba, Herodes nunca mandou matar um cão, mas o fez a vários de seus filhos por questões de poder. Tirania é pouco para descrever. Era psicopatia, sadismo e sabe-se o que mais.
Por tudo isso, embora não se encontrem relatos históricos (fora da Bíblia) sobre a matança dos recém-nascidos, promovida quando Jesus nasceu, ninguém duvida que isso realmente tenha ocorrido. É totalmente condizente com o modus operandi do paranoico rei e só não ficou mais infame por ter se perdido no meio de outros atos horrendos, que, à época, pareceram mais relevantes.
Disse Maquiavel que, se não for possível a um governante ser amado e temido, tendo que optar por um desses adjetivos, é melhor ser temido. Mas o tirano é humano e quer ser, também, amado, ou, pelo menos, quer que assim o pareça.
Vendo chegar a morte e sabendo a alegria que seu falecimento iria causar, Herodes mandou convocar líderes locais, pessoas ilustres e respeitadas, à sede do governo e deu instruções para que, quando ele morresse, esses mil homens fossem assassinados, provocando, assim, a lamentação geral.
Essa ordem deixa claro que ele sabia o sentimento universal que despertava, e, mais, que não convivia bem com isso. Todo o poder, pompa, riqueza e bajulação ao seu redor não bastavam para acalmar seu coraçãozinho mal-amado. Fingimento não preenche a alma.
A ordem fatal não foi cumprida, o povo pôde se regozijar como quis, dentro do possível. O rei louco passou, outros vieram e se foram, e aquele bebê que escapou à matança triunfa até hoje, para desespero das trevas. E boa Quaresma a todos!
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
AnaMariaLSVilanova@gmail.com