O grupo se reúne de tempos em tempos para prever o fim do mundo. Quem o guia é o guru, que tem informações privilegiadas do outro lado. Consegue prever, com precisão, quando e de que forma o mundo vai acabar.
Familiares de membros do grupo olham, de fora, com preocupação, mas têm uma esperança. Quando, afinal, o mundo não acabar na hora prevista, aquela pessoa vai se livrar do culto. Sim, é um culto, e os membros estão completamente absorvidos nos ensinamentos do mestre.
Eis que chega o dia e, surpresa, o mundo não acaba. O sol nasceu e foi embora, coisas boas e más se passaram em todos os lugares, pessoas nasceram e morreram, como sempre. Diz a lógica que, na manhã seguinte, o falhado líder não tenha mais nenhum seguidor. Zero adepto, menos que torcida de time na divisão Z. Mas não.
Orientados pelo iluminado, são esclarecidos sobre o que, de fato, aconteceu. O mundo não acabou porque eles próprios conseguiram evitar a catástrofe. Não fosse a sua dedicação, o planeta teria sido engolfado no abismo fatal. Regozijemo-nos, pois! E seguem, satisfeitos, sempre certos, para a próxima previsão, com aquele sentimento de pertencimento, de serem seres especiais, que sabem algo mais.
Essa é uma história real, descrita por um psicólogo que previu, este, sim, com exatidão, que a não ocorrência do evento aguardado não esfriaria o entusiasmo dos crentes. Simplesmente porque, como restou claro, tais crenças não têm base em lógica ou razão, mas nas emoções de cada sujeito. Como tal, não carecem de comprovação alguma, apenas de reforço constante.
Parece coisa de maluco, porém está bem mais perto de nós do que gostaríamos de acreditar. Desconfortavelmente próximo, aliás. A profusão de manchetes que condenam o que, há três meses, promoviam ou que, decididamente, comemoram o que há pouco choravam é de chamar a atenção. Coisa de culto, mesmo.
Olhar para exatamente a mesma ação e conferir-lhe méritos ou deméritos de forma totalmente alheia à sua natureza e apenas com base em gosto pessoal não é o caminho para chegar à compreensão profunda de nada. Pior ainda, querer calar como fake news qualquer coisa que não coincida com o tal gosto. Há demasiada gente sempre certa para pouquíssima gente com dúvidas.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
AnaMariaLSVilanova@gmail.com