ARTICULISTAS

Sofrência de Estimação

Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Publicado em 14/10/2025 às 18:56Atualizado em 14/10/2025 às 18:56
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No início dos anos 90, trabalhando em Campinas e com a família em Uberaba, meu trajeto de ônibus entre as duas cidades era regular, pelo menos a cada quinze dias. Com toda a correria, dormir durante aquelas horas de viagem era precioso. Infelizmente, às vezes um colega de viagem demasiado amigável entabulava conversa, e podia ser complicado encerrar o assunto.

Foi assim, certa vez, que um rapaz seguia contando-me suas opiniões, já muitos quilômetros estrada afora. Nem os meus headphones, ligados ao walkman (isso foi muito antes da era dos smartphones, iPods e outros similares), desestimularam a conversa. Por fim, ele perguntou o que eu ouvia. Eram os “Carpenters”, dupla de sucesso nos anos 70.

Imediatamente, ele se declarou um fã e iniciou uma longa história sobre certa música perdida do talentoso duo. Ele a ouviu uma única vez, recordava de um pequeno trecho e, desde então, buscava a peça. Tinha, inclusive, ido pessoalmente a rádios especializadas e ouvido todo o repertório lá disponível, para nada.

Por fim, ele cantarolou o excerto de que se lembrava, apenas para me ouvir completando a melodia. Imediatamente, eu anunciei o nome da música e disse, inclusive, que a tinha ali mesmo, na fita cassete que estava ouvindo. Ainda levei um tempinho adiantando a fita até o ponto certo e coloquei a música desde o princípio, indubitavelmente reconhecível.

Não que importe muito, mas era “I Won’t Last a Day Without You”, um hit, com certeza, mas que não chegou a ser um arrasa-quarteirão. Uma pena, porque a música é muito bonita.

Na minha inocência, pensei que a reação seria de júbilo pelo tesouro encontrado, porém, juvenil engano, o rapaz, quase literalmente, murchou. Difícil descrever, mas ele ficou num desconcerto total.

Ele tinha uma missão, um propósito, que, de repente, deixou de existir. Mais ainda, já nem importava a meta, mas, sim, sua identidade única como o sensível, aquele que sabe coisas que ninguém mais sabe, o especial. Acabou.

Resolvido o problema naquela viagem, fomos em silêncio até o fim; ficou o lembrete: cuidado com as sofrências de estimação alheias. Pode ser uma música perdida, uma vida amorosa infeliz, ou uma guerra do outro lado do planeta, mas há quem viva para essas emoções. Fiquem em paz.

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