Quando um brasileiro escuta espanhol, é relativamente fácil compreender o que se diz, mesmo sem prévia informação ou estudo. Uma ou outra palavra pode escapar, mas, no geral, o significado estará claro.
Assim, é uma surpresa constatar a dificuldade no sentido contrário. Para quem tem o espanhol como língua nativa, vai lhe custar muito mais chegar ao sentido do que diz um brasileiro e, pior ainda, ao que diz um português, com seu falar rápido, de sons mais fechados. Por quê? Faltam sons.
A língua espanhola tem cinco vogais e, via de regra, lê-se exatamente o que se escreve, sem variações. Já em português, estamos acostumados a ouvir “a” como “á”, “â”, “ã”, passando-se o mesmo com o “e” e o “o”. Também não causa estranheza que o “o”, às vezes, tenha som de “u”. O “e”, coitadinho, também passa por “i”, dependendo da posição na palavra, da região do país, do sotaque ou preguiça do falante. Muita informação para um latino de outras bandas.
Mais de uma vez um espanhol-nativo, muito confuso, perguntou-me como se dizia “avuela” e “avuelo” em português. Para nós, duas palavras distintas, “avó” e “avô”. Para eles, parece a mesma coisa. Pedem para repetir umas três vezes e se dão por vencidos.
Vêm daí duas consequências. Primeiro, a dificuldade acrescida para aprenderem inglês (e o sotaque mais carregado, quando conseguem). Qualquer latino tem que incorporar as nuances daquele idioma, porém os espanhóis partem de um ponto mais atrás, em termos de repertório de sons.
Outra é a gratidão que eles sentem por qualquer pessoa que tenta falar sua língua, mesmo que venha com (inevitáveis) falhas. Quando percebem um esforço adicional para pronunciar bem as palavras, chegam mesmo a comentar.
– ¡Qué bien hablas!
Imagina, não custa nada. É até chique falar os “erres” com tanta energia.
De se perguntar se às vezes, em temas difíceis, quando um diálogo parece impossível, poderá ser um caso de repertórios de ideias demasiado afastados? Ser bilíngue, ou poliglota, é questão de esforço e estudo. Quem sabe, no mundo de hoje, seja necessário um esforço adicional para sermos todos multiconceituais?
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
AnaMariaLSVilanova@gmail.com