Então, o explorador decidiu fazer uma expedição dificílima: passar um inverno no Polo. Basicamente, navegar até lá no outono, deixar-se estar inverno adentro, enquanto tudo se congelava à sua volta e, sem possibilidade de mudar de ideia, ficar lá toda a estação, até que tudo se descongelasse o suficiente para mover seu barco novamente. E o pior: sozinho!
Se não bastassem as dificuldades técnicas, que eram imensas, o que dizer das psicológicas? E estas eram objeto de comentários os mais variados, e intensos, por parte de todos os seus conhecidos.
– Você vai ficar deprimido. Três meses sem ver outra pessoa, completamente sozinho? Você está doido!
– Você vai querer se matar. Não faça isso.
O espírito aventureiro falou mais alto e lá foi ele.
De fato, dizer que foi difícil é embelezar a coisa. Foi muito mais que difícil, quase inimaginável para um ser humano estar naquelas condições.
E a solidão? De novo, difícil, como esperado. Mas, aí vem a surpresa, não foi o maior desafio psicológico da empreitada. Houve um momento que, mais que todos os outros, quase o levou à loucura.
Foi num dia em que ele se esqueceu de cumprir uns certos procedimentos para garantir a habitabilidade da sua embarcação e, como resultado, teve que desobstruir um tubo, que entrava gelo adentro. Era uma questão de sobrevivência. Como fazê-lo? Não havia outro meio. Teve que colocar a roupa de mergulho, entrar na água e, com um pequeno martelo, ir quebrando o gelo até livrar toda a conduta.
Passou um frio descomunal, um desconforto imenso, porém, pior que isso, foi a constataçã quem causou o problema foi ele, apenas ele, e ninguém mais. Não havia outra pessoa ali em quem jogar a culpa, verdadeira ou falsamente; assim, ele tinha que encarar a realidade.
“Fui eu que fiz isso, e mais ninguém.”
Em épocas difíceis, são muitos os que olham para o lado e tentam encontrar alguém a quem culpar, sejam pessoas de uma certa fé, como na época do terremoto de Lisboa; sejam aqueles que tomam decisões diferentes das nossas, como nestes tempos de pandemia.
Isso é apenas uma falha no nosso software humano; não é real. Culpar alguém pode dar uma momentânea sensação de satisfação, entretanto não resolve nada e, provavelmente, não tem fundamento algum. Fica a reflexão.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
AnaMariaLSVilanova@gmail.com