Aconteceu com um colega meu, consultor por profissão, viajante por obrigação. Esse americano foi trabalhar num projeto na Rússia profunda, lonjura sem fim, muitas horas de avião para chegar lá. Acostumado ao trajeto e à rotina de ir e voltar a cada quanto, não prestou muita atenção quando, em certa viagem, o piloto desandou a falar, e a falar, e a falar. Tudo em russo, claro. Poderia ter falado em marciano, igual nível de entendimento.
Meu colega distraiu-se com temas de trabalho, e a viagem seguiu, normal, até o pouso. Ele desceu no aeroporto usual e se dirigiu ao ponto de táxis, no mesmo lugar de sempre. Com seu parco russo, mostrou o nome da cidade para onde ia. O deslocamento até lá normalmente levava uns 20 minutos.
Saindo do aeroporto, estranhou a primeira curva, já que o motorista virou na direção contrária à esperada. Seguiu-se algum pânico, porque a paisagem toda agora era pouco familiar. Não havia cidade onde deveria haver, a rodovia não era aquela, nada era conhecido.
A solução foi ligar para a secretária do projeto, russa e bilíngue, e passar o telefone celular ao taxista para esclarecer a situação.
O avião havia pousado em outra cidade, bastante mais distante do seu destino e o trecho por terra ia custar-lhe cinco ou seis vezes o esperado. A algaravia em russo no avião deveria ser o piloto explicando qual fosse lá o problema que causou a mudança.
E o aeroporto? Era absolutamente idêntico ao aeroporto “certo”, resultado do famoso “planejamento central”.
Lembrou-me uma cena da trilogia Bourne, em que o personagem termina o segundo filme caminhando solitariamente, afastando-se de um conjunto de prédios, em algum lugar nos arredores de Moscou. Para o terceiro filme, tiveram que continuar a ação exatamente de onde pararam, porém decidiram filmar em outro lugar. Um complexo similar, porém localizado na Alemanha Oriental. No “making off” do filme, vê-se o ator impressionado, olhando para os prédios, incrédulo, dizendo, “mas são exatamente iguais aos outros”.
Fico imaginando quantas pessoas vocacionadas à arquitetura, desenho, projeto, poderiam ter concebido construções mais adequadas a cada lugar em particular e, também, por que não mais bonitas.
Planejar é ótimo. Planejar demasiado é sufocante.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica AnaMariaLSVilanova@gmail.com