O que podem ter em comum um certo cientista e um determinado ator? Ambos são brilhantes e chegaram ao auge nas respectivas profissões, envolveram-se com mulheres algo mais jovens e viram o mundo desabar.
O mundo acompanha o processo, a decorrer nas cortes americanas, em que o ator Johnny Depp processa a ex-mulher, e ficamos conhecendo detalhes da sua vida a dois. Mesmo descontando as incongruências entre os testemunhos a favor de cada lado, apenas os fatos não contestáveis são um lembrete de que ninguém sabe mesmo o que acontece na intimidade de ninguém.
Famoso e rico há décadas, era de se imaginar que a vida de Depp seria de causar inveja a qualquer cidadão. Quem poderia imaginar o inferno atrás das fotos glamourosas?
Sem privacidade dentro do próprio lar, sem conseguir controlar os vícios e sofrendo as suas consequências, isolado da família e amigos, o retrato ora extraído dos depoimentos em tribunal é triste. E isso sem contar os relatos nada simpáticos sobre a ex-companheira, que caberão ao júri avaliar. O processo busca reparações por causa de um artigo escrito por ela, em que ele é retratado como abusador, ainda que não se lhe nomeie.
Mas, desde que ela divulgou sua versão, suspendeu-se toda a prudência. “Culpado”, foi o veredito sumário, atribuído pelas hordas da internet, na trilha do movimento #metoo (#eutambém), que prega a crença no que diz a mulher, em qualquer circunstância.
Inferno similar vive o cientista e professor David Sabatini, que, depois da acusação de uma ex, foi investigado unilateralmente e perdeu o emprego na universidade em que trabalhava, os financiamentos, a reputação e a oportunidade de trabalhar em qualquer laboratório à sua altura. Não bastou o relato de dezenas de colegas e funcionários a seu favor, empregadores que ousaram considerar contratá-lo sofreram a pressão da barulhenta minoria que tem comandado os direitos alheios, no grito. Ele passou de pesquisador de uma proteína importante no desenvolvimento de tumores, a dependente de auxílio-desemprego, sem possibilidade de defesa e sem perdão.
Começa a ganhar força o movimento #MenToo (#HomensTambém), que lembra que homens também são gente e merecem ser ouvidos. Em vez de acreditar apenas em um, ou no outro, faz falta ouvir os lados e acreditar em fatos.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
AnaMariaLSVilanova@gmail.com