Acordei hoje pensando em fazer um ato heroico qualquer. Em tempos normais, de paz, quem pensa uma coisa dessas? Mas a verdade é que ninguém sabe se, hoje, aquela curva da nossa vida vai se cruzar com outra vida de forma irrepetível e criar uma oportunidade única para fazer o bem. Foi assim que uma brasileira em Orlando, no seu trabalho mais que normal de gerente de um restaurante, fez toda a diferença do mundo na vida de um menino.
Naquele dia, uma família, pai, mãe, filha e filho, chegou para jantar quase à hora de fechar o restaurante. Para padrões americanos, bem tarde, ainda mais em tempos de escola, em que crianças têm que deitar cedo. Logo a gerente notou que os pais não pediram uma refeição para o filho, ficando o menino a observar os pais e a irmã a comer. Poderia ser um caso de birra, ou castigo pontual, porém algo mais chamou a atenção. Talvez a postura geral dos adultos, de exclusão daquele elemento da conversa, quase como se ele não existisse. E, mais preocupante, debaixo do capuz e da máscara (que toda a família tirou pra comer, mas ele, não), entreviam-se marcas de hematomas.
Crianças caem e se machucam, e mães (que a gerente também é mãe) sabem disso. Mas há marcas e marcas, e algumas são estranhas, no lugar e padrão. Somando ao quadro global, as evidências chamaram à ação. Evitando ser vista pelos pais, a gerente, engenhosamente, conseguiu mostrar mensagens escritas ao menino, perguntand “Você está bem?” Resposta: “Sim” (com a cabeça). “Tem certeza?” “Sim.”
Quantas pessoas parariam ali, conformadas e lavando as mãos? Mas ela insistiu. E, mais engenhosamente ainda, mudou a pergunta e escreveu: “Você precisa de ajuda?” Resposta: “Sim”, seguido de um triste e desesperançado movimento de ombros, como quem diz “e daí? que se há de fazer?” Confirmadas as primeiras suspeitas de que algo não estava bem, a polícia foi chamada e, muito profissionalmente, atendeu e lidou com a situação impecavelmente. A noite terminou com o pai preso e o filho encaminhado a cuidados. Soube-se mais tarde que, naquela noite, o menino já estava há cinco dias sem comer.
Era mentira que o menino estava bem, assim como é mentira que há sempre um caminho fácil até a verdade. Fazer o melhor possível em qualquer situação é evitar arrependimentos futuros. Deus nos ilumine quando a oportunidade passar à porta.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova é engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica AnaMariaLSVilanova@gmail.com