Coisa mais fácil de acontecer na correria da vida é confundir o importante com o urgente. Muito frequentemente, cuidamos do que está logo ali, chamando nossa atenção, geralmente porque as consequências estão ao virar da esquina, e deixamos providências essenciais para mais tarde.
O que acontece quando algo é importantíssimo, mas seus efeitos vêm mais tarde, ou – o que torna tudo mais difícil – quando não se consegue ver bem a relação causa-efeito?
E, nesse caso específico, para coroar essas dificuldades, ainda outro parâmetro indigesto. Ninguém gosta de falar sobre dejetos humanos, mas é esse o assunto de hoje: cocô. E já que estamos nisso, xixi também.
No final da década de 80, ainda na faculdade de Engenharia, veio o choque: numa aula banal, a informação perturbante: a maior parte do Brasil não tem tratamento de esgoto. Como assim? Pois é. Milhões e milhões de brasileiros, quando vão ao banheiro e deixam lá suas remanescências, acreditam que tudo vai ser disposto muito civilizadamente. Estão, afinal, espetacularmente equivocados. Vai tudo direto para a natureza.
E o que acontece? Acaba por contaminar a água que bebemos e utilizamos no dia a dia. Tratar esgoto não é particularmente difícil ou caro. Certamente, menos complicado que construir estradas com pontes e viadutos que rendem fotos lindas, ao pôr do sol. Mas quem é que quer inaugurar uma estação de tratamento de esgoto? Pois deveriam.
Poucas obras geram mais benefício, frente ao custo que implicam. Doenças infantis caem absurdamente sempre que uma comunidade se volta para resolver esse problema. Se não se ataca a fonte dessas doenças, as pessoas continuam a adoecer e consomem-se recursos para o seu tratamento, mas a causa continua lá. É necessário trazer a informação a público, dar transparência e falar sem preconceito sobre o assunto. Que os usuários vejam a relação entre aquela obra pouco atrativa, lá no canto da cidade, e a melhora geral na saúde.
Muito tempo se passou desde aquela aula no século passado, mas ainda hoje a situação não está muito melhor. Agora, há uma tentativa de resolver o problema, colocando recursos e planejando. Falta muito, vai levar tempo, mas o Marco do Saneamento deveria ser notícia berrada aos quatro ventos. Só por hoje, um minuto de atenção para dar a importância que merece esse feito.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
AnaMariaLSVilanova@gmail.com