Vou fundar uma minoria, quem está comigo? São aceitos todos os que não têm a capacidade de se orientar espacialmente. Basicamente, gente que não consegue encontrar o caminho e é capaz de se perder a pé, na cidade em que vive há anos. De carro, então, por caminhos desconhecidos, o desnorteio é garantido. São os inabilidosos espaciais.
Para essa minoria, os pontos cardeais são praticamente uma teoria da conspiração. Quem dá indicações dizendo “vire a norte” ou “tome a direção sudoeste” está sendo cruel, além de superconfuso (isso inclui aplicativos de mapas). Qual é a dificuldade de dizer “vire à direita” ou “entre na segunda saída”? Sinceramente. Por uma lei que obrigue todos a falar direito.
Por falar em aplicativos, é verdade que eles ajudam imensamente, até que não funcionam como deveriam. Às vezes, o satélite falha, ou as ruas mudam e não são atualizadas nos aplicativos. Ou, por alguma razão, o homenzinho que organiza o trânsito (é assim que os aplicativos funcionam, certo?) resolve mandar você por um caminho ilógico, e qualquer tentativa de compreender esbarra no algoritmo. Deve ser um cidadão ocupadíssimo e assoberbado o Sr. Ritmo, pra deixar cair a peteca tão espetacularmente. Cadeia pra ele também.
Precisamos de vias designadas, exclusivas para nós, os perdidos. Não a rua toda, apenas uma faixa; não somos egoístas. E a sinalização também tem que ser especial, indicando exatamente o nosso destino. E, se a gente parar para se orientar, o que pode levar algum tempo, todo mundo tem que esperar. O que custa atrasar a cerimônia de casamento, o batizado, a entrevista de emprego, a audiência no fórum, a reunião? Quem se recusar, ou reclamar, certamente, é um espaçofóbico. Ou um inabilidosofóbico. Ainda não sei bem; estamos estudando a questão. Já informamos os termos corretos, aguardem.
Podemos entreter ideias como essa quando chegamos ao ponto em que resolvemos as grandes questões de sobrevivência e direitos fundamentais. Estamos alimentados, abrigados e vivendo em paz em sociedade. Bem, razoavelmente em paz.
O caso é que, cada vez mais, vemos grupos reclamando direitos exclusivos, mas que impactam toda a sociedade, em nome da justiça. Buscam por vias legais o que é matéria de outros domínios humanos e, no fim, não conseguem a justiça que buscam, uma vez que nenhuma lei do mundo vai alcançá-la, porém vão colecionando vítimas pelo caminho.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova - Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica - AnaMariaLSVilanova@gmail.com