De volta ao Brasil, constato que, em muito pouco tempo, mudamos a percepção do valor do dinheiro. No mundo moderno, para fins de praticidade, nosso esforço pessoal é mensurável em unidades monetárias. Muito vilanizado como símbolo do capitalismo malvadão, geralmente esse é um quadro do tipo “a raposa e as uvas”.
Assim como nesse conto clássico, ao não ser capaz de alcançar as uvas, e tentando solucionar a incongruência mental “quero uvas; não as tenho”, o que faz o animal? Simplesmente muda a chave para “afinal, estavam verdes”, resolvendo, assim, o desconforto. Resolução porca e temporária. A cada vez que aflora o desejo pela fruta, é necessário enterrá-lo a poder de pensamentos autoenganadores e silenciamento da verdade que insiste em emergir. O certo é que sofre porque queria as malditas uvas. Lembra uns certos alguéns? Quero dinheiro, não o tenho; então, o dinheiro é mau.
Cada vez que tiramos um real do bolso e o mostramos a alguém, o que estamos apresentando é um símbolo de algum valor que trouxemos ao mundo. Prestamos um serviço a um companheiro nesta jornada chamada vida e, em troca, fomos pagos. Agora, queremos gratificar outro ser humano que vai nos trazer algo que queremos. Como sabemos que tem valor? Não tivesse, certamente preferiríamos manter a nota no bolso, aguardando oportunidade melhor. E o que acontece quando o acordo geral sobre o valor do numerário que carregamos vai perdendo o rumo?
Um dos efeitos desse descaminho é ir tornando as moedas obsoletas. No princípio do processo, há um esforço meio artificial em manter as aparências. Isso, geralmente, se traduz em substituição das desmoralizadas moedinhas por balas. Para deixar claro que se trata de mera gentileza, sem efeitos práticos, empurram-se aquelas balas menos apetecíveis, duras, de marca menos conhecida. Que ninguém pense que aquilo é para valer.
Desde outubro passado, quando estive cá, vejo que, agora, não apenas centavos, mas um ou dois reais já são considerados descartáveis. No universo da crônica “dificuldade em produzir troco”, em caso de falta, alguns comerciantes já não se importam em abrir mão de quantias que, até dez meses atrás, consideravam merecedoras, ao menos, do teatro das balinhas.
Já sinto falta desse pequeno ritual.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica AnaMariaLSVilanova@gmail.com