Incrível o que achávamos divertido em tempos passados. Então, o Batman e o Robin se metiam na toca do vilão e acabavam amarrados e subjugados, certeza de a história acabar mal. Mas o bandido, incompreensivelmente, em vez de focar no seu objetivo e concluir a ação (eufemismo para assassinato, pois era série para crianças), começava a explicar seu supercomplicado plano e, somando a perda de tempo e distração, acabava ele mesmo se dando mal. É engraçado porque, lá no fundo, identificamo-nos com esse comportamento. Às vezes, ficamos tão encantados com algo que fizemos bem, ou que é fácil, que esquecemos qual era o motivo por que estávamos ali, em primeiro lugar.
Avançamos para muitos anos à frente, uma situação real. Numa empresa multinacional, há muitas oportunidades de conviver e aprender com profissionais de ponta, líderes mundiais em suas áreas. Um deles, um profissional de “Business Development”, que é como agora se chamam os vendedores, preparou uma apresentação megassofisticada, cheia de recursos visuais e detalhes interessantes, de forma a convencer o potencial cliente a comprar o serviço oferecido. Mas, ó sina, o destino foi cruel e o desalmado cliente, apenas ao saber do que se tratava, imediatamente comprou a ideia, matando a sessão antes de começar. Seria de se imaginar o vendedor fora de si de felicidade. Mais eficiente que isso, impossível! Ser humano, seu nome é incoerência, e o vendedor, na verdade, ficou meio catatônico, sem saber o que fazer. Não fosse o colega, também presente na reunião, salvar a situação e concluir os trâmites burocráticos, a venda talvez ficasse pelo caminho, falecida antes de nascer, por excesso de necessidade.
Assim vamos pela vida, esquecidos do principal. Claro que sobreviver é importante, ou não estaríamos aqui. Mas quando isso passou a ser mais importante que viver? Em tempos normais, quase podemos passar uma vida toda em modo latente, existindo, porém sem nunca chegar a vislumbrar por quê. Em tempos extraordinários, somos forçados a enfrentar nossas escolhas e constatamos chocados que fomos reduzidos a pouco mais que consumidores móveis. Fomos declarados não essenciais, nossa espiritualidade relegada ao mesmo limbo onde jazem todas as coisas, grandes e pequenas, que fazem da vida, vida. Rimos da ingenuidade daquele bandido distraído e trapalhão, enquanto perdemos Deus e nossa liberdade no altar do medo. Hora de cuidar do nosso jardim, meditação e coragem.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova - Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica - AnaMariaLSVilanova@gmail.com