Há uma estátua do Sergey Bubka em Donetsk, Ucrânia. Se o nome não parece familiar hoje, é só porque a memória humana é falha. Nas décadas de 80 e 90, esse atleta bateu o recorde mundial em salto com vara nada menos do que 35 vezes, nas modalidades em recinto fechado e ao ar livre, competindo pela União Soviética e, depois da dissolução desta, pela Ucrânia. Somente em 2020, o atleta sueco Mondo Duplantis conseguiu superar em 1 centímetro a marca de Bubka em ambiente aberto, evento ofuscado pela pandemia.
Em 2008, estive em Donetsk a trabalho e a estátua do Bubka me chamou a atenção. Não havia tempo para turismo, mas o grupo em que eu estava foi encorajado a ir ver o monumento, em frente ao estádio local. Claramente, motivo de orgulho para os nativos, e com razão.
O motivo da viagem era visitar uma unidade industrial de metalurgia, com condições de trabalho dificílimas. A fábrica toda foi construída no fim do século XIX, sem grandes adaptações aos tempos modernos. Os operários andavam no meio do metal incandescente, sem barreiras de segurança, nem nada. Equipamentos de proteção individual, nesse caso, só têm efeito psicológico; pouco podem fazer frente a condições tão agressivas. Enquanto andávamos de um prédio a outro, na minha cabeça soava o tema musical do filme “Dr. Jivago”, porque assim se parecia o cenário. Romanticamente bonito; na vida real, trágico.
Na manhã do retorno, tivemos um par de horas para um passeio a pé; foi quando vimos o saltador imortalizado. É estranho ver uma estátua de uma pessoa viva; no Brasil, só homenageamos assim os mortos. O sr. Bubka segue vivo e forte, aposentado das competições, porém ativo no mundo esportivo. No dia 26 passado, uma mensagem sua no Twitter pedia o fim da guerra na Ucrânia.
Deve haver quem entenda perfeitamente o que está se passando naquele canto do mundo e saiba por onde a coisa vai. Serão poucos; a maioria vai se informando como pode, tentando filtrar as óbvias narrativas construídas e manter a serenidade.
O que sabemos, com certeza, é que o horror da guerra atinge o cidadão comum, de ambos os lados, que não quer nada disso. Aqueles que, a cada dia, passavam diante da estátua a caminho do trabalho ou de outro compromisso qualquer. Por estes, rezamos pela segurança. Por seus líderes, rezamos por um instante de lucidez, ou, na falta deste, que o imponderável arruíne seus planos.
Senão, é possível que não sobre ninguém para ficar com o Bubka.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica
AnaMariaLSVilanova@gmail.com