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Superpoderes

Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Publicado em 22/02/2022 às 20:16Atualizado em 18/12/2022 às 18:18
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Existe uma tribo de aborígenes na qual as pessoas não mentem. Na prática, não dizem nada de que não estejam absolutamente certos, por constatação pessoal direta. Assim, se perguntamos a um homem desse grupo quantas esposas ele tem, ele dirá algo com “da última vez que verifiquei, eu tinha três”. E quando foi isso? Há uns meros quinze minutos. Porém, ele não pode garantir que, desde então, uma delas não tenha sido comida por um leão, ou o abandonado por outro homem. A ressalva se faz necessária.

Fez-me lembrar de um médico que tinha um conjunto de pacientes com uma certa disfunção cerebral. Eles ouviam perfeitamente, mas não eram capazes de interpretar o que estava sendo dito. Era como se tudo fosse uma interminável sucessão de blá-blá-blás, com diferentes entonações.

Um dia, quando chegou à sessão, os pacientes assistiam a um discurso do presidente sendo transmitido pela TV (foram tempos pré-internet). O tom sério da autoridade máxima do País era recebido com gargalhadas incontroláveis. Por quê? Os pacientes apenas percebiam a linguagem corporal, que, para eles, era óbvia. O tom sério era evidentemente falso; a autoridade em questão não acreditava numa palavra do que dizia e a coisa toda parecia uma pantomima. Só rindo, mesmo.

Os aborígenes sinceros e os pacientes deleitados são apenas seres humanos, entretanto parece que têm quase superpoderes. Como seria o mundo se todos, absolutamente todos, perdessem, ao mesmo tempo, a capacidade de enganar e a de aceitar a enganação?

Para já, as campanhas eleitorais, provavelmente, seriam muito curtas. Ideia exposta, aceita-se ou não. Imagino um candidato dizend “Vocês se lembram de que o dinheiro para fazer as obras todas é de vocês, assim, qualquer coisa que eu prometa vai sair do seu bolso. É isso mesmo que vocês querem? Vamos parar de brincadeira.”

Ou outro, mais sincero ainda, dizend “Eu não tenho a menor preocupação com o povo; só estou nisso porque meu pai me abandonou quando eu era criança e, até hoje, tento compensar essa falta com uma aprovação externa. De quebra, não tenho princípios morais e quero ganhar mais dinheiro do que consigo gastar minha vida toda. Só assim me sentirei uma pessoa válida.”

Se calhar, não é necessário nenhum superpoder; apenas um segundo de coragem.

Ana Maria Leal Salvador Vilanova

Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica

AnaMariaLSVilanova@gmail.com

 

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