No final da década de oitenta, um executivo foi transferido do Brasil para os Estados Unidos. Competente, com essa experiência esperava enriquecer os conhecimentos e o currículo. Entretanto, enquanto o aspecto profissional ia muito bem, não se podia dizer o mesmo quanto à adaptação à cultura local.
Algo estava errado, embora ele não conseguisse explicar muito bem o quê. Situação reportada à empresa, um seminário foi agendado, em conjunto com outros diretores na mesma situação. O problema não era único e já havia sido captado.
Durante os trabalhos, a surpresa. Os problemas de ajuste que vários estrangeiros vinham encontrando tinham raiz em valores! Mais especificamente, valores diferentes entre o país de origem e o adotado. Parece algo demasiado teórico para causar desconforto na vida real, mas era exatamente o que estava acontecendo.
Uma surpresa foi descobrir a importância que se dava à privacidade no novo país. Na gênese da nação, os primeiros colonos tiveram que aturar um soldado inglês vivendo junto com eles, dentro de suas casas. Literalmente, dormiam com o inimigo. E, pior, durante o dia, quando os homens saíam para trabalhar, o soldado ficava em casa, convivendo na intimidade do lar.
Porém, isso foi há tanto tempo; em que nos afeta hoje?
Neste momento, os Estados Unidos se preparam para rever a constitucionalidade da decisão conhecida como Roe vs Wade, que proibiu os estados americanos de proibirem o aborto. É isso mesmo, proibiu a proibição. Na prática, tornou obrigatória a aceitação do procedimento em todo o país, ainda que cada estado tenha parâmetros diferentes.
E qual seria a base constitucional para justificar o ato? O direito à privacidade, no caso, da mulher. Muitos juristas, mesmo favoráveis ao aborto, acham o fundamento da decisão sem pé nem cabeça. Se Roe vs Wade cair, é por sua inconstitucionalidade, e a decisão fica a cargo de cada estado, como era antes.
Com o fórum da decisão na casa legislativa, obriga-se que cada lado volte a defender seus argumentos. Infelizmente, a primeira reação parece mais uma tentativa de coerção, tendo como alvo os juízes contrários ao parecer, com manifestações grotescas à porta da casa dos magistrados. Chamados à violência, além de inaceitáveis, são mau sinal para a justeza do seu ponto de vista. Rezemos pela vida.
Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica. AnaMariaLSVilanova@gmail.com