Devíamos ter uns nove anos quando nos demos conta pela primeira vez que o mundo é um lugar desigual. Indo para a escola, vimos dois meninos, mais ou menos da nossa idade, que vestiam roupas rasgadas e pediam dinheiro para os que por ali passavam. Entregamos a eles o que era para ser o nosso lanche. Foi nesse dia que entendemos que a vida é injusta, pois alguns têm muito e outros quase nada.
A partir de então, começamos a sonhar com um mundo de igualdades. Aos 17 anos, soubemos que em São Francisco, na Califórnia, o lance era ser contra o sistema, a sociedade pregava desapego aos bens materiais, nos princípios da não violência e da cooperação. Era lá que queríamos estar.... Os casarões eram alugados onde comunidades viviam do que colhiam com intelectuais rebeldes. Era o nosso sonho.
Jimi Hendrix, Janis Joplin e os Beatles aderiram à paz e ao amor. “Faça amor, não faça guerra.” Soubemos que nessas comunidades existia a tão almejada igualdade. Propunha uma mudança no comportamento social e o rompimento com as formas tradicionais de organizar a vida cotidiana. Era uma ideologia muito bonita, mas acabou porque havia muita apologia às drogas. Eram “Histórias da Carochinha”.
Em países desenvolvidos, a educação e a saúde amenizam as diferenças..., mas igualdade?
A desigualdade mostrou sua cara nas questões raciais, salariais, na discriminação das pessoas por mulheres, afrodescendentes, muçulmanos, trans (a lista é longa).
Para nós, brasileiros, a face mais evidente é a desigualdade econômica. Somos o nono país mais desigual do mundo, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Onde está a igualdade? Onde surgiu essa ideia?
Algo que não diz respeito só a dinheiro. Você acha que um empregador deveria recusar uma candidata ou um candidato porque a pessoa é transexual? Por conta da cor da pele? Ou porque a pessoa é obesa?
O tempo passou e a verdade prevaleceu, eram sonhos. “Histórias da Carochinha”. Mas o discurso continua o mesmo, um país de corruptos falando em igualdade.
Outro assunto intrigante é quando escutamos que devemos encontrar uma atividade que nos ajude a cultivar nosso estado emocional. Uma jornada de trabalho que nos faça bem!
“Escolha um trabalho que você ama e nunca terá que trabalhar um único dia em sua vida” (Confúcio). Um sonho para poucos! Economistas trabalham atrás de um balcão, vendendo eletrodomésticos; engenheiros, como professores; artistas, com o que der. Muitos estão condenados a essa autotortura. Sobreviver. Encarar o que aparece!
Há poucas semanas, escutamos o cantor, compositor e instrumentista Felipe Schmitt, que foi um dos “Canarinhos de Petrópolis”, confessar ao vivo que seria sua última live. Depois de 21 anos trabalhando só com música (no que ele mais ama), com a pandemia faltaram os convites para se apresentar e, com quatro filhos, iria dirigir um Uber. A jornada começa às cinco horas da manhã. Isto para sobreviver. Olhar para a realidade é enxergar o que está além de algo prazeroso, é refletir sobre aquilo que nos esgota, mas é a convocação do mundo. Textos e mais textos nos orientando sobre o autocuidado. Precisamos do silêncio, olhar nossas verdadeiras necessidades. Mas quando a necessidade é colocar o pão nosso de cada dia na mesa...? “Histórias da Carochinha.”
Recordamo-nos daquelas duas garotinhas iguaizinhas de 9 anos. Naquela época, já percebíamos que aquela situação não era justa. Tão pequenos aqueles garotos! Não mereciam estar onde estavam – na rua –, enquanto nós duas, de uniforme, tínhamos nosso dinheiro de lanche e materiais escolares.
Estudamos e formamos, mas onde estarão aqueles dois meninos sujos e maltrapilhos? O que aconteceu com eles? Criaram raízes? Sobreviveram? Onde estão os nossos sonhos de 17 anos de uma comunidade de igualdade?
O avanço das impressoras 3D nos possibilita criar praticamente qualquer peça. Em poucas semanas, podemos sair de uma ideia até a peça pronta. Na indústria da moda e do design de móveis, dá para produzir peças em grande escala. Porém, como uma oposição a tudo isso, crianças ainda padecem, vítimas frágeis e marginalizadas – o humano continua o mesmo. O que lamentamos é a ausência da igualdade.
Por favor! Chega! Não queremos mais escutar “As Histórias da Carochinha”.
Dois beijos...
Ani e Iná
aninauberaba@gmail.com
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