Começamos a conhecer nosso talento artístico e musical por meio de teatrinhos que organizávamos na rua Carlos Rodrigues da Cunha. Eu e minha irmã gêmea Ani, a coreógrafa das apresentações, fazíamos um trabalho diversificado para agradar os convidados, a meninada da rua. Era uma semana madrugando, fazendo flores enormes para pregar no alpendre, nosso palco, fitinhas para colocar nas cabeças, colorindo penas das galinhas. As indumentárias em papel crepom coloridas, a maquiagem no rosto, luzes verdes, davam um aspecto cultural ao nosso espetáculo! Era pura beleza refletindo um circo teatral.
Importante lembrar que essas apresentações se tornaram uma obstinação, uma paixão, o conhecimento de nossas raízes, sem termos uma compreensão exata do que realmente procurávamos, simplesmente seguindo nossa intuição.
Nosso segredo para tanta obsessão e criatividade era proveniente da escola onde aprendíamos debaixo das lonas de circos que chegavam à cidade. Papai nos levava e, nos camarotes, assistíamos a tudo com olhos vidrados no picadeiro. Aqueles nômades circenses eram nossos ídolos. Não era só o corpo espetacular dos artistas que nos atraía. Queríamos conhecer as transformações dos palhaços, malabaristas, trapezistas, contorcionistas, mágicos. Sem nos preocuparmos com a privacidade deles, íamos aos bastidores. Desejávamos desnudar os personagens e conhecer a essência daqueles aventureiros, suas histórias, desafios e conquistas. Admirados com nossa curiosidade e jovialidade, acabávamos ganhando um passaporte para todas as sessões durante sua permanência em Uberaba. Sentadas nas arquibancadas, assistíamos fascinadas.
Em nossos teatrinhos de rua, imitando a performance que aprendíamos no circo, conseguíamos fazer a plateia rir, ter medo, ficar com o coração na boca e chorar. Nossa atuação era perfeita e os aplausos nos deixavam cada dia mais motivadas.
Nos números circenses sempre havia uma apresentação melodramática que nos fazia lacrimejar pela tão bela interpretação. Em uma dessas cenas, o pai arrancava o coração do bandido que havia roubado sua netinha de 5 anos e a colocava para fazer malabarismos na corda bamba, a esponja do coração arrancada do ladrão saía com um sangue que jamais foi esquecido, tudo sendo acompanhado por um fundo musical gregoriano.
Foi em São Paulo, já adultas, lendo no jornal, que focamos em um classificado: precisavam de duas jovens para uma propaganda de “Assugrin”. Na hora marcada, lá estávamos. Antes de nós, quinze jovens lindas na expectativa. Bateu desesperança, mas, para não perder a viagem, permanecemos e fizemos o teste. Três dias depois recebemos o telefonema. Fomos as classificadas para a propaganda. No dia marcado, numa chique lanchonete da Avenida Paulista, eu e Ani lá estávamos no meio do aparato cinematográfico. A propaganda foi rodada diversas vezes nas emissoras de televisão paulistanas.
Essa veia artística surgiu da observação e aprendizado da arte circense e da coragem dos trapezistas.
São tantas coisas que guardamos do ontem e nos projetam no futuro…
Sempre fomos sonhadoras, e, recentemente, descobri que isso não é coisa do passado. Olho-me com carinho, consciente de que não sou uma jovem, mas continuo a gostar de moda, decoração, ler, viajar, beber moderadamente e, principalmente, amar a tradição e a cultura. Acredito no brilho que ilumina a vida e na energia vital que nos leva a compartilhar nossas experiências. Por isso, o que tenho, possuo e amo, alimento e cuido como se fosse eterno, mesmo convicta de que não seja. Afinal, como canta Lenine “Enquanto o tempo / Acelera e pede pressa / Eu me recuso / Faço hora / Vou na valsa / A vida é tão rara...”
Dois beijos...
Iná e Ani
gemeasanina@hotmail.com