Nós sabemos que excesso de gentileza também cansa.
Entramos numa loja querendo apenas um atendimento simpático, daqueles com atenção e sorriso, mas aí a vendedora não nos deixa sair: oferece tudo, menos o que viemos buscar. Resultado? Nunca mais voltamos.
Com a amizade, é parecido. Há aquela ligação boa, de trocar novidades, rir das bobagens da vida… e há a outra: você dá um “alô” inocente e, em dois minutos, está atolada em doenças, inventários de família e histórias do avô, do bisavô, do cunhado, do vizinho. Para completar, ainda ouve: “Falando em idade, já devia ter feito esses exames!” A conversa termina em alta depressão, com a gente pensando em internação e check-up urgente. Misericórdia!
Cá com meus neurônios, penso: quantos chatos já cruzaram nosso caminho? Alguns, de repente, no meio da conversa, tornam-se agressivos: falam cuspindo, cutucam, não deixam que desviemos o olhar de sua narrativa. Outros sabem tudo e nos tratam como tolos, com sua sabedoria genial e os anos de estrada da vida.
Na adolescência, eu e Ani tínhamos um código secreto para lidar com certos chatos — aqueles que parecem morar em outro planeta, acreditando que sabem tudo e que cada detalhe da própria vida é uma obra-prima universal. Eles contam casos intermináveis, riem de coisas sem graça e ainda esperavam nossa gargalhada como aplauso. Quando a paciência esgotava, eu e Ani trocávamos um olhar cúmplice e decretávamos: “Vamos terminar a Via-Sacra!” — e pronto, estava dado o sinal de encerramento. Era nossa senha sagrada para escapar com dignidade, sem deixar de rir por dentro.
E será que a gente envelhece e vai ficando chata também? Temos amigas da nossa faixa de idade que sabem tudo — mal abrimos a boca e já viramos aprendizes da “sábia da estrada da vida”. Se você “não” concorda com suas afirmações, a insistência se transforma em uma chatura insuportável, pois não dão o braço a torcer de jeito nenhum. Para elas, só seu ponto de vista tem que prevalecer. Santa Teimosia!
Nos relacionamentos amorosos, então, a chatice ganha troféu. Quem nunca teve aquele namorado ou namorada que abusa dos apelidinhos?
— Vamos sair hoje, boneca?
— Que roupa vai usar?
— Aonde for, me avisa, morzinho!
Com tanta vigilância, o romance vai direto para o buraco. Afinal, se prisão fosse boa, ninguém tentava fugir!
Na ciranda da vida, encontramos o(a) grudado(a), possessivo(a), superapaixonado(a). Receita certa para ninguém aguentar. Muita gente sonha com um “chinelo velho para o pé cansado”, quer sossego, cumplicidade e afeto — mas sem o castigo de conviver com um(a) chato(a), que é o início de qualquer calvário.
Nesse movimento, vale a pena repensar se não estamos nos tornando chatos com a família, no trabalho, com os amigos, sempre retrucando e buscando aprovação. Diferenças são inevitáveis e alguns perrengues fazem parte da travessia. Vamos largar a intolerância e transformar a convivência em um espaço de leveza e crescimento. Quando há diálogo — e não monólogo —, o respeito floresce e até as pedras do caminho se tornam degraus para seguir adiante.
Dois beijos...