Ao longo dos anos houve uma mudança na forma como as pessoas encaram a Quaresma e seus rituais. Na minha época, era vista como um período de penitência mais rigorosa, em que as pessoas jejuavam e faziam práticas de piedade como forma de preparação para a Páscoa. Na Sexta-Feira Santa só se comia peixe, ninguém podia pentear os cabelos, nem ouvir músicas, nem mesmo varrer a casa, enfim, um dia muito triste. Hoje, embora muitas pessoas pratiquem essas tradições, há uma ênfase maior na Quaresma como um tempo de reflexão, oração e aproximação de Deus.
A Quaresma não precisa ser encarada como período de dor e sofrimento, mas como uma oportunidade de nos aproximarmos de Deus e dos outros de maneira mais significativa. Nunca devemos apagar nosso espírito interno das belezas da vida, mas celebrar a nossa compaixão a Cristo. A Compaixão é uma das maiores virtudes, pois é com ela que abraçamos tudo que vemos e imaginamos.
Devíamos ter uns nove anos, indo para a escola, víamos dois irmãozinhos mais ou menos da nossa idade pedindo dinheiro, maltrapilhos, entregávamos nosso lanche, mesmo sabendo que ficaríamos cinco horas em jejum. Assim foram por meses, com uns trocadinhos comprávamos um picolé. Aquelas crianças da nossa idade tocaram nosso coração de tal forma que sofríamos o sofrimento delas. Pela compaixão, estamos unidos a todas as coisas, assim o sofrimento de outros passa a fazer parte de nós mesmos.
Quando víamos cachorros abandonados, eu e Ani os resgatávamos das ruas e os levávamos para casa, mesmo sabendo que íamos receber uma “bronca danada”, comprávamos remédios, e só eram liberados depois de nosso tratamento. Nossos pais compreendiam nosso ato de compaixão. Quando vemos um idoso lúcido, abandonado pelos familiares em um asilo, sofremos por pura compaixão. É “sofrer com”.
Quando papai, como comissário de menores, levava sempre meninos abandonados para lanchar em casa e mamãe os servia com tudo que havia na geladeira, alimentando aquelas crianças famintas, eram momentos de oração e misericórdia, exemplos extraordinários de generosidade e compaixão. A mesa de refeição era transformada em um altar de orações e esperanças.
Esses gestos de bondade não apenas alimentam os corpos famintos, mas nutrem nossas almas e transcendem todas as barreiras materiais. Essa terrível e maravilhosa capacidade de sofrer os sofrimentos dos outros consideramos a “Marca Humana”.
Na Quaresma, momentos de reflexão surgem ao fazer a “Via Sacra”... Será que como ser humano estou amando meus irmãos? Como estou me relacionando com Deus? A que sou capaz de renunciar por 40 dias? Como está a prática do perdão? E a compaixão na minha vida? A Quaresma é um tempo de reflexões, não de choros e sofrimentos.
Aqueles a quem cujos olhos olham para os que sofrem e não sofrem não foram tocados pela compaixão. Falta a qualidade da humanidade. Não são nossos irmãos, são ditadores, e sua capacidade de pensar não os define como seres humanos. Os noticiários diários mostram cenas que gostaríamos de apagar. No conforto de nossas casas sofremos pelos corruptos que prendem e matam seus adversários.
Pela “Via Sacra”, resgatamos o sofrimento de Cristo e pedimos ao Pai que a Compaixão seja a marca inestimável da humanidade.
Dois beijos...
Iná e Ani
gemeasanina@hotmail.com
Ocupa a cadeira nº 4 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro