ARTICULISTAS

O silêncio das pílulas

Ani e Iná
Publicado em 08/11/2025 às 11:47
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A notícia da morte de Lô Borges, aos 73 anos, amanheceu como um sussurro triste. O artista das melodias suaves foi vencido não pela vida, mas por um inimigo silencioso: o excesso de remédios.

Quem de nós nunca buscou alívio em um comprimido? Uma dorzinha aqui, uma angústia ali, e logo abrimos a bolsa, o armário, a gaveta. Vivemos tempos em que não há lugar para o incômodo: a dor precisa ser silenciada, a tristeza disfarçada, o corpo mantido em movimento.

E assim seguimos entre amigos e copos de refrigerante, trocando pílulas como se fossem conselhos. “Esse é ótimo!”, alguém diz. E o comprimido é engolido às pressas, com um gole de guaraná, talvez com um toque de álcool. Ninguém pergunta o que o corpo pensa sobre isso.

Lembro-me de uma viagem ao Canadá, quando conhecemos o dono de uma fábrica de jogos de internet. Inteligente e riquíssimo, fomos jantar com ele. Ao chegar os pedidos, abriu diante de nós um pequeno recipiente. Dele tirou quarenta comprimidos coloridos. Disse, sorrindo, que eram suplementos. Até o garçom parou, surpreso. E ele completou, entre risos: “Se quiser emagrecer, encha o prato. Só de olhar, a vontade de comer diminui”.

Rimos, mas dentro de mim ecoava uma pergunta: quantos comprimidos são necessários para substituir o prazer de viver? Há quem confunda cuidado com controle, alívio com fuga. Numa cultura que celebra a velocidade, não há espaço para esperar a cura natural do tempo. Estamos na cultura da pressa e da automedicação. A dor precisa calar, ainda que o remédio fale alto demais.

Recordo a jovem grávida, radiante, que sentiu uma dor de cabeça repentina. A mãe, colega de escola, movida pelo amor, ofereceu uma Novalgina, o “santo remédio”. Minutos depois, o hospital. A pressão caiu, e com ela desabaram dois corações: o dela e o do bebê. A mãe se salvou, mas o remédio levou o amor das duas.

Há dores que precisam ser sentidas, não silenciadas. Cada pílula que engolimos sem saber seu nome, sua força, seu limite, é um risco de transformar o alívio em tragédia. Antibióticos curam e matam. Anabolizantes moldam e destroem. Há mulheres que morrem de cirrose sem jamais terem bebido, embriagadas apenas de promessas farmacêuticas de felicidade imediata.

Vivemos em uma era que busca saúde, mas teme sentir. Queremos um corpo forte, uma mente calma, uma vida sem dor, mas esquecemos que, às vezes, é a dor que nos ensina a viver. O corpo fala, e o remédio, quando em excesso, cala a voz mais sábia que temos: a do próprio corpo.

A saúde não mora nas embalagens coloridas, mas na escuta paciente de quem entende que curar-se está na resiliência, e não no alívio imediato. 

A overdose de pílulas pode ser letal. Cuidar da saúde é uma forma de arte.

Dois beijos...

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