ARTICULISTAS

Para não dizer que não falei de Flores

Iná e Ani
Publicado em 27/06/2023 às 18:33
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Quem teve uma tia ranzinza em sua vida vai concordar...

Cobranças e mau humor eram difíceis de encarar e, às vezes, tirava a conexão conosco mesmas. Lidar com essa tia era desafiador. Nós éramos o bode expiatório de todo o seu mal-estar emocional. “O Eurípedes é o mais lindo da família e vocês têm que ser como ele, educadas, estudiosas e engordar. São muito magras... Cortem esse cabelo liso e anelem, como o das primas.   

Eu olhava para Ani e ficávamos mudas com tanta cobrança. Não é à toa que algumas pessoas dizem ter o corpo fechado, impedindo que a frequência de energias negativas penetre em sua alma. Com sua voz autoritária, conseguíamos enxergar aos 13 anos que fugíamos do padrão de estética e beleza do seu gosto, o que nos fazia sentir um patinho feio.

Sua inquisição começou a passar para nós como uma condenação, dando-nos prejuízo emocional. Sempre fomos rebeldes aos ataques e revolucionárias às opressões. Em casa, com Ani, arquitetávamos um plano de vingança. “Que tal injetarmos óleo de rícino numa maçã e darmos para ela?” Eram uns quatrocentos mil planos. 

Tínhamos um primo que nos chamava de princesas, apaixonado por nós, não era bom das ideias, rejeitado também por essa tia, um artista perito na criação de invenções. Papai o chamava de Professor Pardal, um personagem inventor das histórias em quadrinhos de Walt Disney. Era nosso primo de segundo grau, amigo e confidente; nossos avós eram irmãos. Sempre estava em seu quarto bagunçado, montando e mostrando seus trabalhos e invenções mirabolantes. Inventou um “radar” que, sendo usado no corpo, a pessoa poderia ouvir o barulho de morcegos que queriam invadir a sua casa. E vários inventos elétricos. “De médico e louco todo mundo tem um pouco.” 

Fomos até a casa do primo e contamos nossos planos. Queríamos que ele inventasse uma panela com um cabo elétrico mortal para dar um susto nessa nossa tia. Ele nos escutou silenciosamente, pensou, pensou, despenteou-se todo com as mãos e, em 3 minutos, parecia que ia “surtar” e deu a resposta. “Temos que conquistar nossa tia com gentileza.” Isso nos deu um arrepio da ponta da cabeça ao dedão do pé. “Já que não conseguimos distância da tia e nossas tentativas de comunicação são falhas, vamos arrumar um kit de ferramentas novo, sem esforço e rápido. Primeiramente, vou fazer uma cesta de vime, vocês vão encher de doces e mandar entregar a ela e com flores dentro.” “Eureka!” 

E lá fomos as duas pedir à outra tia bacana, tia Antonieta (tia Neta), para separar das quatro caixas as revistas que chegavam para ela e colocar na estante de sua loja de figurinos, na Praça Rui Barbosa, a única da cidade. Nossa única saída. Ela concordou. Às 7 horas da manhã, estavam as duas sentadinhas, esperando-a chegar com seu corpo violão, estilo Marta Rocha, e abrir as portas.

Ao iniciarmos nosso trabalho no fundo do departamento, fizemos um planejamento prévio, organização por tipos, tamanhos, tivemos uma visão geral das estantes. A tia observava nosso foco. Avançando gradualmente, fizemos a pausa para o almoço, que foi um lanche, pão com mortadela e guaraná, lá perto. Antes que ela retornasse, já estávamos sentadas, esperando o “gingado” da tia calma e maquiada abrir as portas. Difícil tarefa! Às 6 horas em ponto, tudo pronto e 50 reais para as duas. Ainda deu tempo de correr e comprar uma linda cesta pronta, a qual mandamos entregar na rua do Carmo. O cartão, digno de uma rainha. De olhos no buraco, cansadas do dia exaustivo, levamos bronca da mamãe pelo sumiço, tomamos nosso banho e fomos dormir.

E a gentileza continuou... Fomos à casa do primo, pegamos a cesta em que ele fez um trabalho de arte e colocamos uma caixa de uvas, cercada de flores, com o nome dos três sobrinhos excluídos.

Desse dia em diante, muitas gentilezas... Íamos na vovó, cada uma levava uma flor para a tia. Nossas amabilidades fizeram-na sair do avesso, parecia que a felicidade tinha caído na sua cabeça. Passou a conversar com delicadeza, o que a fez enxergar nossas emoções. Conseguimos perceber sua carência afetiva e sua necessidade de afeto e amor. Foi através de nossa afetividade que recuperamos sua autoestima, o que fez toda a diferença. Cuidava melhor de sua aparência, penteava os cabelos e voltou a sorrir. Passamos a ser a sua “menina dos olhos”.

Essa virada nos fez entender que nossos esforços não foram em vão. A opressão é sinal de medo do outro, é tolher suas qualidades, é ter receio de sua liderança. O melhor é ignorar e retribuir com positividade e gentileza, resolvendo os conflitos de maneira construtiva, em vez de retaliar e buscar a vingança.

Dois beijos...

Iná e Ani
gemeasanina@hotmail.com
Ocupa a cadeira nº 4 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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