Toda família tem um preguiçoso. Na minha, confesso, são vários! Suas atitudes acabam criando fama e o estigmatizando. Na árvore genealógica, sempre há um galho mais pendurado: o parente preguiçoso.
Ele é aquele que chega atrasado, sempre tranquilo, nunca briga, nunca se apressa. Se depender dele, a vida pode ser resolvida amanhã. E, se você pede ajuda, a resposta é imediata: “Deixa que depois eu faço”. Só que esse “faço” nunca chega!
Guardo na memória as tardes em que, ao fazermos visitas ao sítio, o tio nos levava para colher frutas. Eu e Ani queríamos subir nas grimpas dos pés de jabuticaba, enquanto o primo, preguiçoso como só ele, esperava embaixo que enchêssemos sua capanga. Arrumou um cavalo manso como ele e, montado, parava sob as laranjeiras, mangueiras, goiabeiras, jabuticabeiras e outras mais. Chupava as frutas em cima do cavalo e ainda pedia que colhêssemos para ele. “Primas, olhe aquela manga madurinha” – e lá íamos nós sem nos preocupar se o galho iria quebrar.
Esse mesmo primo nos acompanhou numa pescaria, a convite do tio. Íamos sempre à frente, e ele, claro, ficava para trás, obrigando-nos a parar e esperar. Pescamos e, quando o entardecer começou a cair, voltamos para a sede da fazenda — ele, naturalmente, ainda lá atrás. Ao chegar, suspirou aliviado: “Nossa, estava esperando chegar para tirar a pedra da minha botina”. A preguiça era tanta que preferiu suportar o incômodo até o fim, em vez de descalçar o sapato logo. Durante as tardes, era igual: deitava-se para dormir sem nem tirar as botas, como se até descansar exigisse mais esforço do que estava disposto a ter.
Entre jabuticabas, laranjas, goiabas, mangas e pescarias, sua preguiça acabou virando uma marca registrada na família. No fundo, os parentes preguiçosos guardam um segredo: eles não perdem tempo se estressando. Talvez por isso vivam sorridentes, sem rugas, sempre disponíveis para um novo convite.
Temos parentes preguiçosos que ainda transformam a preguiça em orgulho:
– Com o tempo, descobri que meu melhor sono acontece entre as 5h da manhã e as 13 horas. Deixo que o sono de qualidade me encontre nas horas em que a casa silencia. Não me chamem antes! Gosto do silêncio da noite para ler, escrever, navegar na internet. Minha mãe é a culpada por me acordar cedo na infância… Hoje, meu telefone está sempre no silencioso. Sou autônomo, não quero ninguém para me incomodar. Não sou médico, bombeiro nem funcionário público, nada na minha vida exige urgência. Não tenho carro, não dirijo, então não posso dar carona em emergência.
Se devemos aceitar as pessoas como são, lembro-me de uma vez em que eu e Ani enchemos um balde de água e jogamos na cara do nosso “bicho-preguiça” enquanto ele dormia. Rimos muito, mas ele apenas pegou o travesseiro e foi para outro canto dormir. Sabemos que a preguiça não tem cura. Ele não era malandro — apenas tinha o direito de ser preguiçoso. Santa paciência!
Enquanto todos ficam ocupados com suas tarefas, o preguiçoso costuma dar palpites e, quase como um mestre, tenta ensinar a rara arte de não se estressar. A família sempre resmunga quando o “bicho-preguiça” aparece, mas, no fundo, entre uma soneca e outra, talvez ele seja a pausa necessária que nos lembra de respirar no meio da correria da vida.
Será que alguém tem mesmo o direito de ser preguiçoso?!
Dois beijos...