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Ressacas da vida

Ani e Iná
Publicado em 02/09/2025 às 18:20
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Quem entre nós sabe realmente o que é uma ressaca alcoólica? Talvez alguns não. É delicioso brindar nas festas, viver as altas emoções por muitas horas — o difícil é lidar com a indisposição que vem depois de uma noite de consumo excessivo. Dificuldade de concentração, ansiedade, irritabilidade e alterações de humor são sintomas conhecidos.

 Sentir vontade de beber logo ao acordar é um sinal clássico de que o hábito pode estar se tornando frequente. Uísque, Campari, chope ou uma “cervejinha para relaxar” — as opções são muitas, mas sempre existe aquela bebida preferida, a que se repete. Para alguns, trata-se de um prazer inigualável; para o corpo, no entanto, os efeitos estão longe de ser generosos.                                                                                                          

Existe só a ressaca alcoólica? Não, também a moral. Essa é muito difícil de enfrentar, pois envolve sentimento de culpa, vergonha e arrependimento. Ela se apresenta para cada um de nós de formas variadas. Tivemos um tio, comerciante bem-sucedido, mas incapaz de viver sem uma amante. Conseguiu esconder por anos da minha tia, que o amava com paixão. Até que, um dia, envolveu-se com uma médica casada; o marido, ao descobrir, mandou dar-lhe uma surra. O tio garanhão acordou dentro de um bueiro. A ressaca moral foi totalmente devastadora: a depressão, o desprezo da tia e a desmoralização perante os filhos. Mudou-se de Uberaba e retomou a vida em outra cidade, mas a culpa nunca o abandonou. Sobreviveu, sim, mas nunca mais foi o mesmo.

E a ressaca do sono? Misericórdia! Afeta tanta gente! Preocupações, remorsos ou mesmo a falta do hormônio regulador do sono levam a esse estado de cansaço, dificuldades de concentração e mal-estar semelhantes aos da bebida alcoólica. Para fugir disso, muitos recorrem a drogas — de Rivotril a Cannabis — tentando driblar o peso desse mal.

E a ressaca social? O artista Ronnie Von já disse que não gosta de sair de casa, que ir a festas é quase um castigo, preferindo estar em seu lar, entre livros, vinhos e família. Pode ser um traço de ansiedade social. Essa ressaca aparece após longas interações sociais, deixando a pessoa em fadiga, irritada, com enorme vontade de se isolar. Muitos não querem mascarar sorrisos, conversar à força ou manter um papel extrovertido que não lhes pertence. Surge, então, a necessidade de se recolher.

E a ressaca literária? Ela surge quando terminamos um livro extraordinário — ainda que seja ficção, vivemos ali algo absolutamente real. O Pequeno Príncipe; as Fábulas de Jean de La Fontaine; depois, já adultos, obras como Caçadas de Vida e de Morte, do acadêmico João Gilberto Rodrigues da Cunha; A Nascente das Pedras de Fogo, do nosso acadêmico indicado ao Nobel de Literatura, José Humberto Henriques; ou O Sertão da Farinha Podre – Uberaba e a Guerra do Paraguai, do internacional Paulo Fernando Silveira. Romances variados — cada leitor tem sua preferência por um gênero literário que o embriaga de prazer e encantamento. Quando a leitura termina, o que o romance deixou permanece vivo, até que o cotidiano volte a caber em nós.

Essa ressaca aparece tanto com livros muito bons quanto com aqueles ruins, mas impactantes. Ficam impressões tão fortes que nenhum outro livro parece bom o suficiente. A leitura desacelera, o interesse some, a conexão não acontece. Tentamos, mas não conseguimos.

Quando for hora de voltar, não nos afobemos. Recomecemos devagar: algumas páginas por dia. Assim, não nos afogamos em informações e temos tempo de digerir a história com calma. Aos poucos, o ritmo retorna. Talvez só tenhamos alguns minutos ao fim da noite, ou horas nos fins de semana. O importante é ler de forma constante, até que a leitura volte a ser um hábito — e a ressaca literária seja apenas uma lembrança.

Dois beijos...

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