Foi através dos festivais realizados na TV Record que eu e minha irmã gêmea, Ani, enxergamos a beleza das canções, a qualidade das músicas, que vinham com intensa carga emocional e poética. Acredite quem quiser, esse “fetiche” dos festivais fazia literalmente a nossa cabeça.
Apreciadoras dos novos estilos musicais, Jovem Guarda, Bossa Nova, Tropicalismo, a canção Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré, tornou-se nosso hino.
Ao chegarmos em casa com discos de vinil desses transgressores em época de Ditadura, agradávamos a papai por demais. Ele, que nunca deixou o tradicional, os clássicos, foi também o grande defensor do novo, do moderno, da brasilidade que enxergava nas obras poéticas cantadas pelos revolucionários das músicas, e gritava: “Aumenta o som!”.
Ao se aposentar, passou a reinar no botequim em frente a nossa casa. Seus conhecimentos literários aliados à sua alma boêmia foram atraindo falantes. Era o palestrante do boteco bem frequentado.
Certo dia, baixou na venda Rui Rezende um ator de teatro e cinema, que caiu nas graças do papai. Seu personagem era Professor Astromar Junqueira, que virava lobisomem nas noites de lua cheia em “Roque Santeiro”. Meio indie, meio popstar, poeta, escritor, instável, polêmico, tudo ao mesmo tempo, deixou o papai apaixonado. Levando-o até nossa casa para que o conhecêssemos, já entrou tentando nos conquistar. Nós o olhávamos com uma sedução lúdica de encantamento. Passamos algumas semanas no bate-papo com o charmoso e inteligente ator.
Certa manhã, uma vizinha aproximou-se e disse: “Qual das duas está namorando o lobisomem?” Nossa cabeça fugiu da realidade e a ficção tomou conta, tudo acabou em segundos.
Papai continuou com seus altos papos com o intenso roteirista, que, após alguns meses, veio a noivar com a filha da vizinha, que nos tirou do convívio do brilhante e talentoso ator. Sua filha casou-se com lobisomem.
O fascínio por artistas pode evoluir para um status de “mito” ou ícone cultural. Parece até lenda, mas tia Filhinha, apaixonada por Francisco Alves, “rei da voz”, morto em acidente, ficou de luto, em sua viuvez platônica. Tia Iná de Souza largou tudo e se casou com Pedro Sarkis, locutor de voz apaixonante, e viveram felizes para sempre.
Essa fixação por cantores, atores, ídolos que criamos, penso que jamais acabará. Sendo honesta, diria que a música é um bálsamo para superações e tristezas e faz crescer uma fé inabalável no jardim da nossa existência. É a música que transgride nosso imaginário e encontra a alma.
Outro dia, ouvindo no carro uma música do incrível cantor Lulu Santos, envolvi-me por um sentimento romântico meio transcendental:
“Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas
Como um mar…”
Dois beijos...
Iná e Ani
gemeasanina@hotmail.com