Tivemos uma prima que foi morar em nossa casa como pensionista quando fazia faculdade. Jovem, bonita, literata aos 19 anos, quatro anos mais velha que nós. Adolescentes, ficamos entusiasmadas, afinal era mais uma companhia para as festinhas.
Em regime interno, estudou no Sacré-Coeur de Marie (Colégio Sagrado Coração de Maria-RJ), cuja pedagogia aplicada, aliando tradição e modernidade, tinha como missão proporcionar uma educação de excelência, comprometida com as transformações sociais. Além de ser fundamentado em valores cristãos, tinha um alto nível de preparo às estudantes e a literatura era uma das prioridades.
A prima considerava a televisão um veículo pobre e preferia estar entre os livros. Parecia nosso oposto. Essa parenta nos deixou na mão, era avessa às saidinhas e namoricos, não que fosse sistemática, gostava de conversar sobre autores ilustres, amava ler. O jeito era deixarmos ela proseando com papai e sairmos para as badalações.
Ao ver a biblioteca do papai, ficava passeando os dedos sobre os livros, às vezes tirava um da estante e ia para o quarto. De repente, prontas para o cinema ou festinhas dançantes, ela se recusava sempre a nos acompanhar. Na volta, lá estava ela, dormindo com a obra entre as mãos.
Para não ficar em qualquer pensionato, preferiu morar na casa de familiares, pois sempre teve uma vida confortável, bom gosto; resumindo, prima rica.
Esse saldo de dedicação exclusiva nem sempre foi recebido por nós de maneira satisfatória. Conversando amigavelmente com a prima, contamos sobre a infinidade de estudantes que conhecíamos, pensionistas de Santos, Rio de Janeiro, capital, até da vizinha Uberlândia, que nessa época não tinha faculdade nenhuma.
Incentivamos nossos pais a planejar uma festinha em casa em que teríamos enriquecedoras conversas sobre leitura. Nossa ideia prazerosa, cativante e essencialmente estratégica foi aceita. Se ela queria aprofundar seus conhecimentos literários, eu e Ani queríamos conhecer o lado emocional dos amigos, “quebrar o gelo” e fazer a prima sair do automático. Paixões e experiências reais fora da literatura estavam em nossa pauta.
A festança foi um sucesso, eu coloquei no ponche mais duas garrafas de cachaça, que deu colorido às outras formas de arte. Eu e Ani servindo drinks, como se fossem suco, e tira-gosto nas mesinhas. Após muita cantoria e bebedeira, Ani disse: “É hora dançante”, acalmando os ânimos.
A prima acabou envolvida com seu escolhido, de rosto colado. Nosso irmão Eurípedes, de copo cheio, dizia: “Tudo sobre controle”. Além dos estudantes, apareceram os “bambambãs” do pedaço. Mário Humberto, Laertinho e o primo Carlito.
A estratégia foi além das expectativas, cheia de significados. Encontrei o marido que queria; a prima casou com o estudante de Medicina; Ani fez novos contatos; mamãe, no salto alto, aproveitou a festa com elegância e glamour; papai, na cozinha, com Mário Humberto, em altos papos filosóficos, virou a noite, com ponche, vodka e whisky, eternizando em sua vida o belo e atencioso jovem de olhos azuis.
A vida é prazerosa e cativante quando exploramos novos horizontes e nos abrimos para belas oportunidades. Estratégias fazem parte, desde que não sejam prejudiciais aos envolvidos. “Quando a esmola é demais, o santo desconfia.”
Processos de prazeres são individuais, podendo ser em um jantar com amigos, numa reza com fé e café, num sarau de poesias, sozinho com afazeres em sua casa, ou numa bebedeira em que te coloquem como o mais inteligente ou o mais ridículo do grupo.
Enfim, vamos explorar prazeres, romances e estabelecer conexões significativas. O importante é aproveitar essas escolhas especiais e guardar lembranças felizes. Momentos de celebração garantem alegria no futuro.
Dois beijos
Nota de esclarecimento. Queridas amigas e amigos, agradeço aos leitores de meus artigos o apoio, incentivo, fontes valiosas durante momentos difíceis que atravessei. A todos, gratidão eterna! Na oportunidade, comunico que me ausentarei por 40 dias em uma viagem ao exterior.
A escrita tem sido uma ferramenta poderosa para recomeçar sozinha na ausência de minha querida irmã gêmea, Ani Bittencourt. Existem doces vozes interiores instando-me a continuar compartilhando memórias, persistindo na liberdade da escrita em todos os conteúdos, contra rótulos e carimbos, procurando levar cultura, memórias, interação e saberes.
Até a próxima!
Iná e Ani
gemeasanina@hotmail.com
Ocupa a cadeira nº 4 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro