Não há como mencioná-la sem falar de Herivelto Martins, com quem formou o “Trio de ouro”. Foi seu marido e ensinou-lhe a se vestir, a se comportar no palco e a olhar a plateia, além de lhe dar um repertório vastíssimo, como a “Ave Maria no Morro”.
Vicentina nasceu a 5 de maio de 1917 em Rio Claro (S.P.). Teve infância com poucos brinquedos, mas muita música, acompanhando o pai em serenatas, orgulhoso de vê-la cantar no alto de um banquinho como se fora adulta. Com a morte do pai, Vicentina, com oito anos, mudou-se para São Paulo. Foi arrumadeira, babá, ajudante de cozinha em restaurante e faxineira. Em 1934, a mãe e as filhas se mudam para o Rio e na fábrica de chinelos, onde trabalhava, o proprietário, que também era dono da Rádio Mauá, ouvindo-a cantar, levou-a para fazer um teste.
Conheceu o seu marido, Herivelto Martins, cantando no teatro, em São Cristóvão, onde o loiro Herivelto fazia o papel de palhaço. E com o negro Nilo Chagas formaram a dupla “Preto e Branco”, junto com Dalva, e desta partindo para o Trio de Ouro. Quando começaram a cantar nas rádios, em 1938, o orçamento do casal melhorou. Infelizmente, Herivelto era boêmio, o que enfraqueceu o seu casamento, mas garantiu alguns contratos, como no cassino da Urca, assinando com a casa de shows. Contudo, a boemia e os casos amorosos, onde ele reunia coristas e outros mais em seu apartamento, fez de seu lar continuação do cassino, onde Dalva, ainda vestida e maquiada do seu show, preparava lauta macarronada, exausta e suportando os namoricos do marido, que a enganava.
Separada do trio, Dalva inicia carreira solo, acompanhada do pianista Vicente Paiva. “Tudo acabado entre nós...”, de Osvaldo Martins e J. Piedade, foi o início “dialogal do repertório, não agradando a Herivelto, já separado da cantora. “Não falem dessa mulher perto de mim... A resposta veio em: “Que será / da minha vida sem o teu amor...”, de Marino Pinto e Mario Rossi.
Herivelto respondia em parceria com David Nasser: “Eu deixei o meu caminho certo / e a culpa foi ela...”. Dalva cantou através de Ataulfo Alves (a quem o machista Herivelto disse quebrar-lhe a cara): “Errei, sim / manchei o teu nome / mas foste tu mesmo o culpado / deixavas-me em casa / me trocando pela orgia...”.
Compositores tomavam partido. Vicente Paiva e Jaime Redondo deu a Dalva para gravar “Ave Maria”, de Humberto Teixeira, o baião Kalu. “Palhaço”, antiga profissão do marido, veio em forma de samba: “Sei que é doloroso um palhaço...”.
Dalva foi para Londres e cantou na coroação da Rainha Elizabeth II, retornando ao Brasil e recriando “Tico-tico no Fubá” (Zequinha de Abreu), na Baixa do Sapateiro, de Ary Barroso.
Em 51, elege-se Rainha do Rádio. Mas o “affaire” do casal fizera com que a estrela se entregasse à bebida. Tito Clemente, o portenho, casou-se com Dalva, pedindo-lhe que morasse em Buenos Aires, o que foi aceito. E depois de 14 anos, casados, separaram-se em 1965.
Nesse ano, houve um acidente com o atual marido de Dalva e ex-motorista, matando quatro pessoas, ao subir a calçada. Ele a acusou de estar no volante, mas na realidade ela entrou em coma e ficou com grandes sequelas, sendo responsável pelos seus gastos e da família das quatro pessoas acidentadas. Seu rosto desfigurou-se e tornou-a depressiva. Tempos depois, procurada por amigos, gravou seu último sucesso – “Bandeira Branca”, de Lúcio Alves e Max Nunes.
Cada vez mais frágil, após um coma de três dias, morreu, mas teve forças para lembrar ao filho (Peri Ribeiro): “Eu parto, mas vocês continuam”. Faleceu no dia 30 de agosto de 1972, às 17 horas.
(Do livro “As Cantoras do Rádio”, de Ronaldo C. Aguiar)