Toquei com os dedos dos pés cansados, a polpa macia das pétalas desmaiadas, no tapete dourado sobre o negrume do piche do asfalto. Revolvi as folhas secas que empanavam o reluzente viço das medrosas, ante o barulho de rodas velozes a lhes esfacelarem a alma.
Com os olhos, acompanhava a forma majestática do tronco ereto, orgulhoso, a suportar em seus tentáculos viçosos a seiva bruta, acalentando os galhos encrespados. Amiga árvore, tão responsável pelos repolhudos brotos de cascatas reluzentes impregnados de vida.
Fechei os olhos e senti o odor das flores derramando-se em porções associativas e motivadoras.
Voltei a perscrutar no silêncio da tarde que se dissolvia em arrepios, o sussurrar tremulante de galhos a se debruçarem, preguiçosos e assustados, a cada corola que o chão atraia, impassível, devorador.
Já não mais olhava. Tateava a visão inexprimível, dourada, festiva, de um ipê-amarelo, em floração. Era a natureza na sua exuberante proficiência a prognosticar a chegada da mais decantada das estações brindando a paisagem da minha rua.
Meses depois, voltei a olhar o ipê-amarelo. Meus olhos se abriram assustados. Os galhos não mais ostentavam sua opulência dourada. Um e outro serpenteavam ao vento, em gestos complacentes. Sacrificados pela mãe natureza gritavam aos céus clamando pela dança dadivosa dos zéfiros, que lhes dera tanto prazer. Jaziam soluçando saudosas as inúmeras coifas pisoteadas, impiedosamente. Era um tapete amarelecido e velho.
Se no apogeu de seu brilho olhares deslumbrantes fotografaram o ipê-amarelo, admirando-lhe o esplendor aurífero guardando resíduos de vaidoso orgulho e opulência, hoje, testemunhavam um derramar de saudades.
Meditei sobre o ipê, que em poucos meses perdera sua glória. Percebi que os homens são como aquele ipê-amarelo da minha rua. Hoje, estufam o peito, orgulhosos, mas se esquecem de que a vaidade se desvanece ante a enfermidade das coisas!
Arahilda Gomes Alves