Certamente, nunca se ouviu dizer que a introdução traz uma letra, ou, quando muito, ela vem apenas vocalizada. No dicionário de música, significa pequeno trecho, que antecede a qualquer composição do gênero clássico. No início de uma ópera, denomina-se: abertura, ou “ouverture” (em francês); protofonia, prólogo, no português. Na literatura, pequeno trecho, que se antepõe à exposição de um assunto; é a parte inicial, antes de se expor um argumento.
A simpática santista Ana Arcanjo, membro da Cruz Vermelha, em 1932, admoesta sobre esquecimento dessa cívica introdução do nosso “Hino Nacional”. Veio de Pindamonhangaba, através de Américo de Moura, presidente da província do Rio de Janeiro, de 1879 a 1880, a patriótica letra “incorporada ao Hino, em 1931, por resolução do Congresso” (ver Wikipédia), que antecede o poema de Duque Estrada. Tente cantar, prosodicamente, sem se desanimar, porque não deixa de ser aplicado exercício de articulação vocal, quanto respiratório e cívic “Espera o Brasil/ Que todos cumprais/Com vosso dever-er/Eia avante, brasileiros/ Sempre avante/Gravai o buril/Nos pátrios anais/Do vosso poder-er/Eia avante, brasileiros/Sempre avante!/Servi o Brasil/Sem esmorecer/Com ânimo audaz/ Cumpri o dever/Na guerra e na paz/À sombra da lei/A brisa gentil/O lábaro erguei/Do bravo Brasil-il/Eia sus, oh, sus!”.
Ao escrever a letra, puxei as sílabas finais das palavras, acima, dever e Brasil porque as grafias musicais, nos dois fraseados, trazem sentido completo como se fora o ponto final no encaixe prosódico. Se pararem para pesquisar, verão o mesmo efeito no “Hino da Independência” (Ver contente, a mãe genti-il... no horizonte do-o Brasi-il;) e no estribilh longe vá-a temor servi-il).
Nosso “Hino Nacional” traz muitas “appoggiaturas” (enfeites) que “esticam” as palavras: Gigante pela própria nature-e-za/És belo, és forte, impávido colo-os-so! Acontece na segunda parte no encaixe das palavras: fo-or-te; lu-u-ta; as cacofonias são inevitáveis, se não se fizer a elisão em nessigualdade; vejam o que se canta: dessáigualdade (Ai, como dói o ouvido!). Por mais que nosso Duque Estrada cuidasse do encaminhamento paralelo da sua letra à música, que chegou bem antes, quando da coroação de Pedro II, com pomposo nome de “Marcha Triunfal”.
Ana Arcanjo, indignada, cobra o canto da Introdução, além de mostrar que brasileiro só lembra a primeira, ignorando a obrigação das duas partes do poema ao ser cantado. E, na execução orquestrada, a música não se repete e não se canta, porque em tonalidades diferentes, segundo decreto. Complicaria mais ainda atribuir à Introdução uma letra como a do autor Américo de Moura, nos arroubos de seu entusiasmo cívico. A meu ver, o próprio nome dá sentido de pequeno trecho orquestrado, que “incita” o desenvolvimento musical a seguir. Muito rebatia o fato de se executar a Introdução, quando se volta ao canto da segunda parte, porque, logicamente, o canto sequencial já a dispensa, trazendo sentido de quem já entrou e não precisa sair para tornar a entrar... Geralmente, interpretam que se deva fazê-lo porque o decreto obriga, que se faça na íntegra, a sua execução (o que entendo ser, apenas, a letra!). No que vai aí minha discordância. Questão de interpretação... Quanto aos vícios de linguagem e de entonação, nem sempre tivemos, nas escolas, professores especializados de Canto Coral. Projeto de Villa Lobos, na era Vargas, incentivou a criação de orfeões nas escolas brasileiras. Naquela época, a Escola de Canto Orfeônico da Praia Vermelha, no Rio, criada por Villa, formava professores de música e que, portanto, tinham noções profundas da pedagogia musical. Tempos depois, o governo não mais abriu vagas a especialistas nas salas de aula. Extinguiu-se, por longo tempo, a aprendizagem do orfeão nas escolas públicas. Arquivou-se a didática motivante, como a análise e ordem direta de nossos hinos pátrios para a devida compreensão, sinônimos, rítmica, histórico, provocando entusiasmo e compreensão, porque não se pode apreciar o que não se conhece. E nem despertar a sensibilidade!
Arahilda Gomes Alves