A necessidade de se despir dos arcabouços morais da seriedade e compromissos evitando-se estresse, certamente, faz do carnaval fato voltado para a alegria e diversão. Inicialmente, durante três dias. Hoje, ultrapassam cinco, ou mais, entregues a Momo, o deus grego incorporado à história, a quem, simbolicamente, o prefeito repassa as chaves da cidade. Mas Salvador, na Bahia, faz arrastão, puxado pelo trio elétrico. Ignoram a Quarta-feira de Cinzas, cremando confetes e serpentinas... Tanto que Vivaldi, Bellini e Sant Saens deram vida aos festejos carnavalescos com suas composições. Do primeiro, surgiram em 1720 o Carnaval em Veneza e suas fascinantes máscaras; a de Bellini, em 1830, com “I Capuleti e i Montecchi”, ópera remotamente baseada no autor inglês, em que as duas famílias se juntaram na dor no tema de “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, iniciando o primeiro ato com um baile de máscaras no palácio dos Capuleto, baseando-se o romântico compositor francês Gounod mais seriamente na obra do autor inglês. “Le carnaval des Animaux” (O carnaval dos animais) traz uma vertente de imitações das vozes de seletos animais, sugerindo peça burlesca, lembrando-me, extra-assunto, do romântico e engraçadíssimo “Dueto dos gatos”, a que assisti na Áustria como peça de Mozart, mas que teimam em incorporá-la às peças de Rossini.
Se nos ativermos aos carnavais de hoje e às suas riquíssimas produções, tento racionalizar o que vejo de semelhantes nos dois feitos. Ambas desfilam com enredo, na rua; outra, no teatro. Esse enredo traduz o desenvolvimento do tema escolhido pelas duas vertentes em trabalho artístico com diretores de cena e outros específicos profissionais acordantes para o arremate apoteótico. O samba-enredo “puxado no pé” evolui na ópera através da voz e os leit-motivs (motivos condutores) das árias de cada personagem. Na evolução da dança, na primeira, há na ópera o desaguar do tema sempre dramático, conquanto na outra o samba encaminha para as alegorias, envolvendo efeitos visuais, na compreensão alegremente temática. A comissão de frente, com mestre-sala e porta-bandeira, abre o desfile, enquanto na ópera a Protofonia, ou a Ouverture, abraça as principais passagens do enredo, antecipando o encaminhamento melódico da peça historiada. A presença da comissão de frente desfilando o superluxo do espetáculo das escolas de samba representa, na ópera, os cantores líricos a mostrarem sua performance em consonância às cenas, desbaratando a história com fecho em “Concertato” apoteoticamente figurando cantores solistas, coprimários e coral.
Se as desfilantes escolas de samba obedecem aos princípios rígidos de evoluções incorporados ao tema, também na ópera e em todos os seus segmentos (opereta, ópera bufa) conjugam-se todos os recursos musicais, indo dos recitativos (a palavra) às árias; o ballet, cenografia e interpretação teatral. Em ambas, o canto, seja popular ou erudito, manifesta-se intensamente, revitalizando os instrumentos de percussão em uma, como a orquestra na outra.
Arahilda Gomes Alves
Cadeira 33 da ALTM