Carta aberta de SP a Uberaba
São Paulo, 31 de março de 1977
Jojô querida,
“Gostei muito de sua carta e, confesso, estar com saudades de você e do Juninho.
...Que negócio é esse de você dizer que não vai passar de ano? Sua mãe está com razão sobre seus namoros... Você não tem idade para namorar, espere completar 14 anos... Eu quero um bisneto, mas da outra neta maior que se casar. Não se pode ter nenê antes do casamento. Entendeu Jô?... As Anas vão bem e estudando muito o inglês... principalmente, a Ana Laura tem preguiça de escrever cartas. O Tony Ramos talvez mude para o Rio, vai trabalhar na TV Globo. Vai ganhar mais do que ganha na Tupi... Em que você gasta os quinze cruzeiros da mesada? Você tem de tudo em casa... Então, você e Juninho já juntaram 43 cruzeiros no cofre? Quando a vovó chegar, vou aumentar o saldo levando muitas moedas! Beijão da vovó, Dedé”
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Explico-me. Esta carta, minha mãe endereçou-a a minha filha na data acima, porque, ela mais ficava com o mano casado em São Paulo, e o nome do ator citado é por ser concunhado do mano Alaor. Mas, retornando à minha mãe, sabe-se que as avós são mães duas vezes, eis a comprovação preocupante dela, na educação “dupla” das minhas (nossas) crianças!
O tempo correu célere, o dinheiro já “fugiu” carreando centenas de zeros, mas os pais são os mesmos. Se antes comentar sobre sexo era tabu, se o beijo na minha infância era preocupação de gravidez, achando eu que o desinfetar a boca com álcool matava o “micróbio”, hoje é diálogo aberto e necessário. Apenas a grande dificuldade de se conservar os valores humanos, contaminados pelos exemplos grassantes da desonestidade, falsidade, desumanidade e outros “ades” que procuram desatar laços familiares e transparentes nos diálogos. As salas de aula passaram a ser ringue de lutas, muitos professores, que se desconhece a índole, deseducam, tais como as babás monstros. Os preconceitos atingem graus de crueldade e mortes.
Mas todos têm mães, ou as tiveram. Sofrem com as ações dos filhos, choram e riem pelos maus e pelos bons, ante as drogas e os drogados, certamente, o que desencadeia tantas torpezas e insensibilidades.
Tive uma queridíssima amiga pianista, Dirce Kirche, de saudosa memória, que toda vez que deixava sua Campinas hospedava-se em casa, onde eu cuidava de convidar amigos para ouvi-la ao piano na execução impecável de seus tangos e milongas. Levava-me às lágrimas e lavava minha alma. Tocara até com a Orquestra de Aníbal Troilo lá em Buenos Ayres. Eximia declamadora, trazia de cor a bagagem poética do sobrinho radialista Jóia Junior e era sempre requisitada a declamar o poema “Oração da maçaneta”. Eis algumas imagens: “Não há mais bela música/que o ruido da maçaneta da porta,/quando meu filho volta para casa... Oh, a longa espera/a negra ausência/a história de acidentes e assaltos... Nisso, na sala que se cala, estala/a gargalhada jovem/da maçaneta que canta/a festiva canção do retorno... que soa para mim/como suave canção de ninar.../Só assim, meu coração se aquieta/posso afinal dormir e descansar”.
Repeti esta crônica – homenagem ao Dia das Mães, porque estivemos – Lovani, Olésia e eu – em Congresso em “mi Buenos Ayres querido, que yo vuelvo a ti”...
Arahilda Gomes Alves