Ah, os olhos verdes de Maysa, como bem externou Manuel Bandeira, “são dois oceanos misteriosos e não pacíficos!”. No ano de 1957, já emancipada dos sobrenomes, que a incomodavam, primeiro porque os Matarazzo, em 1954, véspera da festa do Quarto Centenário, outro acontecimento monopolizava a cidade, quando todos se amontoaram na Catedral da Sé sem conter a emoção diante da beleza da moça de 18 anos, que se casava com André Matarazzo, 22 anos, frequentador da casa de Maysa e vendo-a crescer. A lua de mel, na Europa, eixo Roma-Paris.
Ao retornarem, maratona de coquetéis e jantares à sociedade paulistana. A senhora Maysa, entediada, queria ouvir seus ídolos, cantores, de Nora Ney e Dóris Monteiro, de Dolores Duran a Ângela Maria. Um ano depois, os pais de Maysa apresentaram-na aos amigos, inclusive à Corte Real, para que a ouvissem cantar, incluindo composições suas, que compusera aos 12 anos, e as de Noel Rosa. Quando a levou para gravar, ouviu como resposta: “ora, uma grã-fina cantora. Só se o marido comprar todos os discos”. Procurou a R.G.E., que nascia, mas encontrando obstáculo do marido, concordando em que a renda seria toda para o Hospital do Câncer, a quem a família ajudava. Até que o dramaturgo Henrique Pongetti, que escrevia na Manchete, endeusou a cantora e o repertório, e os pais de Maysa a estimularam.
A canção Ouça explodiu, mostrando a “mulher sofrida” e carente. Seu marido, que a acompanhava sempre, com receio de “sujar” o nome da família, desquitou-se mais tarde, ao que ela desabafou: “perdi o nome, mas ganhei a fama”. Seus pais cuidaram do seu filho, Jayme Monjardim, enquanto ela partia para o seu autoexílio. Namorou e aprontou todas, assustando aos hóspedes em Buenos Aires, em período de instabilidade política, jogando “bombinhas” da janela do quarto. Mas a bebedeira de Maysa e suas agressões separaram o casal Ronaldo Bóscoli/Maysa, fazendo-a ingerir uma bebida pelo gargalo, como se fora uma mamadeira, até que resolvera passar por tratamento. Emagreceu e tratava a todos com generosidade e simpatia.
Maricá era seu refúgio e, como engordara muito, tomava moderadores de apetite como se fossem alucinógenos. Em 22 de janeiro de 1977, despediu-se dos pais e partira em sua Brasília azul, não chegando a seu destino. Uma mulher que nunca se encontrara, sem saber quem era ela!
O cronista Antônio Maria escrevera: (...) “O suicídio contém uma desforra. Seu lado fascinante é a morte. Nunca morrer hoje quando se pode morrer amanhã, ou daqui a 100 anos”.
“Minha jovem amiga, abra a janela de sua casa – a que dá para o mar ou para a montanha. Procure o mundo e dê-se por perdida... porque cada um de nós é um perdido na humanidade vária e numerosa. Viva, que no fim dá certo. É o seu amigo Antônio Maria” (Extraído de “As Divas do Rádio”, de Ronaldo Conde Aguiar).
Arahilda Gomes