Verdade que, pela lei natural das coisas, a vida vai queimando etapas ao longo da nossa “via crucis”. Não há exagero nessa afirmativa, que, para muitos, é motivo de contendas sob prismas vistos e analisados. Experiências ao longo da estrada se avolumam sob forma de crescimento. A própria vida é como se fora caudaloso rio: traz fonte inesgotável de seixos e folhas, quais adubos para nosso crescimento.
Filosofia que não se aprende na escola. Porque à vida se acresce a primeira experiência do conhecimento humano, ajustado a um teste de livre escolha, a que damos o nome de livre arbítrio. Outros aceitam-na como sorte, destino ou, como dizia o filósofo, “Assim estava escrito”.
Confirmando tal assertiva, o nascimento já é uma duplicidade de risos e choros. O corte do cordão umbilical marca o primeiro rompimento do nascer, viver e morrer. Há como que um desligamento, que mesmo amparado, traça curso natural, que a consciência, caixa de Pandora acumula ao longo do viver, qual cornucópia símbolo de ricas experiências, ou caixa preta, mostrando os defeitos que deixamos passar.
Lembro-me bem de sua trajetória: nasceu robusto, misto de descendência ítalo-espanhola. Experiências paternas registravam sua caminhada auferidas de interferências agregadas ao desabrochar. Estudara, captava sons de bom ouvinte. Seu cantar afinado entoava o que a tia, juntando coro aos demais sobrinhos, ecoava em vozes celestiais a cantiga de mais de cinquenta anos, resistindo ao tempo: “Menina da rua/Sem bola, sem pão, sem boneca, sem lar./Menina da rua,/Sem roda, sem riso/Sem gente pra brincar...”.
E a coda final arrematando: “Menina da rua/Tão cheia de graça/Oh vida sem graça/Sem um canto pra cantar...”.
Vieram sentimentos e ressentimentos, primeiro casamento que lhe deu dois lindos jovens – Gilberto Vasques Neto e Rafael. Filhos do saudoso Gilson Vasques, ambos bem-criados na herança paterna, que campeia a existência. O primogênito herdara do pai a sensibilidade para a música. Fez da Arquitetura a criação de formas concretas, e da Música, as abstratas. Talvez da tia, que os observava. Rafael, universitário envolvido no Agronegócio. Ambos recebendo dos avós e da mãe a herança do bom paladar: segredo dos quitutes do tradicional Bar da Viúva, ponto de encontro de moças casadoiras, à época!
O pai Gilson, o quarto de cinco filhos dos Gomes Vasques, segundo desígnios de Deus, deveria partir mais cedo, porque os bons serão sempre os primeiros. E, anos atrás, na véspera do Dia de Santa Luzia, a doze do mês de dezembro, cerrou os olhos e abriu-os na contemplação dos céus.
Assim, as lembranças se tornam saudades, formando vasto álbum de recordações, no lançamento diferencial de cada autor terreno e que as águas do rio levam sem retorno de nova escrita…