Minha geração teve no auge do sucesso cantoras como Maysa, Elisete Cardoso, Ângela Maria e Nora Ney, imbatíveis. Além das famosas Linda e Dircinha, as irmãs Batista. Estas duas, aliás, impressionaram-me pela vida que tiveram, abusando da sorte.
Se Dircinha interpretou o samba-canção “Conceição”, melhor do que Camby, fala-se muito. Se Ângela Maria imitava Dalva de Oliveira, a do Trio de Ouro, abiscoitando prêmios em todos os programas de calouros, seu pai lia salmos enquanto despontava a intérprete de “Babalu”, o mambo que incorporava floreios à incomparável Yma Sumac, cantora peruana de dotes vocais privilegiados, percorrendo toda a gama da voz grave masculina aos agudíssimos de um flautim e tornando-se cantada em seu vasto repertório, mais de dois milhões de vezes.
“A cena era chocante, corpo coberto de feridas, cabelos desgrenhados e acertando vassouradas a todos que delas se aproximassem. Apartamento com taquinhos soltos, paredes, móveis e janelas quebradas, além de diabéticas, eram o retrato de duas “divas” que viviam no completo ostracismo, encaminhadas para a Casa de Saúde. Duas cantoras que desfrutaram da fama, tornando-se as preferidas de Getúlio Vargas. Educadas nos melhores colégios do Rio – o Sion –, famosas, ampliaram seu patrimônio, com casacos de pele, carros sofisticados e joias; aproveitaram a vida, intensamente, mas entregando-se ao jogo e à bebida. Desfazendo-se de tudo, até objetos domésticos, para comprar comida! As unhas dos pés de Dircinha, de tão crescidas, chegavam a feri-los. Linda sofria com erisipela. Tudo isso provocou a perda da razão de ambas. E o que construíram desmoronou-se como um “castelo de cartas”. Dircinha morreu no hospital Dr. Eiras, em 1999, e Linda, em 1988, em cadeira de rodas!”.
Muitas dessas notícias busquei-as no livro de Ronaldo Aguiar, “As divas do Rádio”, que ganhei de meu maninho caçula e há tempo encontrado na minha estante, examinando-a com vontade.
Todos nós construímos, através do tempo, nossas folhas destacadas saudosamente. As gavetas da memória, de quando em vez, abrem-se, oferecendo-nos conteúdo que procuramos torná-lo histórico. Principalmente quando folhas amarelecidas, caídas e desbotadas refletem vida sentida, que se esvaem enfraquecidas das bênçãos de um tempo outonal! Afirmo sempre que a saudade é camuflagem em bandagens, que voam leves, expulsando a solidão. Ainda, que nossos “currículos” sejam identidades plastificadas, como se fossem, simplesmente, “obituários”.
Seriam eles novo inventário, reflexos no novo “espelho”?
Arahilda Gomes Alves