Há grande analogia entre as estações do ano e as etapas da vida, como se fora uma cumplicidade atrelada ao tempo. A primeira etapa é a primavera de sonhos, um acordar como se o tempo fosse eternamente vivido em fase áurea de aconchegos, alegrias e risos. Interminável e sem preocupações, um roseiral a florescer intermitente, jogando perfumes, acolhedora brisa, sem quaisquer perturbações a empanar o brilho de um viver despretensioso e inocente, desconhecendo decepções. O verão traz o calor, girassóis a apontar o sol radioso, reforços brilhantes de um viver pleno de luz, amadurecimento equilibrado de um transbordar de vida, campos verdejantes, árvores acolhedoras, sementes germinativas, paisagem esperança. Passos destemidos de um alcançar facilmente terra firme, de um abraçar o mundo corajosamente. A terceira etapa sazonal anuncia os primeiros sinais de paisagem a perder o viço da estação primaveral. Frutos maduros correndo contra o tempo implacável com podas e enxertos, adubação constante policiando o tempo de muitas chuvas e devastadoras secas. Horizontes perdidos na imensidão de extenuante estrada. Relicário de imagens lembranças, esquecimentos, retorno de um passado sem muito presente. Fase de enfraquecimento dos sentidos pouco sentidos e de mágoas profundas de um não fazer e querer voltar para um fazer muito mais e melhor com a experiência dos dias outonais. Estação onde a idade toma corpo e por força da espécie humana, tentam humanizá-la com nomes éticos de meia idade, melhor idade na ocultação do termo ferino de velhice, tão rabugento quanto o nome. Derrame da cruel realidade, repositório de preconceitos e abandonos. Solidão na grande parte de um espaço a não deixar tão espaçoso para essa etapa de vida, que muitos a consideram a melhor. E realmente o é. O coração bate forte, mesmo descompassado; os sentimentos se apuram sem eclodir em paixões. As folhas do tempo amarelecidas e desbotadas, às vezes, pisoteadas pelo tempo escancarado da realidade retomam o passado nutritivo de experiências alentando a verde folhagem, brotos saudáveis de seiva trabalhada pelas que já as afagaram um dia.
O outono de tantos frutos pendentes acusa o mais nobre dos sentimentos – o da amizade –, colhido desde as outras estações: o da primeira professora, dos colegas de sala, dos companheiros da Faculdade, dos mestres sábios e nunca pedantes, dos amigos de uma comunidade, dos companheiros de ideal e que nos tornam gratos e sempre lembrados. Infelizmente, fixa, também, os desafetos, os que jogaram malquerenças, os falsos amigos e os invejosos. Mas o tempo escasso faz dos sentimentos negativos sentimento de pesar pelos que não souberam ser amigos.
E, de repente, surge amedrontadora uma pandemia virulenta, prendendo a respiração em colapso pulmonar, aconchegante aos olhos, nariz e boca pelas mãos que afagaram e pelos braços, às vezes, em abraços. Ou erguendo-os abruptamente contra o próximo. Em quarentena de reflexão, faz o mundo deixar de girar. A natureza arremessa para um inverno de créditos carentes de afetos, de tempo espectador de pesadelos. Tempo de busca, de proximidade, através das grades da sacada do prédio, na associação de sentimentos, no regar de boas ações, antes abafadas pelo vento egoísta que soprava gelado. E nos apês, tão criticados, roubando a comunicação presencial. Dessa busca de um EU escondido, o ego se solta harmonioso das mortalhas que procuravam ilusoriamente aquecer. Afago da visão de um mundo onde todos se encontram para um novo e merecido amanhã. E a vida em ciclo recomeça...